Lula visita Biden com desafio de apoiar defesa da democracia sem provocar China e Rússia

Em viagem-relâmpago, brasileiro se reúne com americano na sexta (10) na Casa Branca

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São Paulo e Washington

Em visita-relâmpago a Washington nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá o desafio de celebrar a reaproximação com os Estados Unidos de Joe Biden e a aliança dos dois países em defesa da democracia, sem, no entanto, posicionar-se como antagonista de China e Rússia.

Os dois países sobreviveram a tentativas de golpe e depredações violentas —6 de janeiro de 2021 em Washington e 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Biden telefonou para Lula logo após os ataques aos Três Poderes e "transmitiu o apoio inabalável dos EUA à democracia do Brasil". O petista, por sua vez, tem repetido que é preciso uma ação internacional para conter o avanço da extrema direita.

Com a solidariedade como pano de fundo, os dois líderes farão do encontro em Washington uma espécie de pontapé inicial para retomar o diálogo entre EUA e Brasil. Ainda que tenha sido mantido em nível burocrático nos dois anos em que o democrata conviveu com Jair Bolsonaro (PL) no poder, a relação entre os dois países foi praticamente nula em nível presidencial.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante cerimônia no Teatro do BNDES, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 6.fev.23/Folhapress

Há divergências, porém, na visão que cada país tem sobre a defesa da democracia. Biden vai convidar Lula para participar da segunda edição da Cúpula pela Democracia, em março. O primeiro encontro, realizado de forma híbrida em dezembro de 2021, foi vendido como uma forma de países democráticos reagirem à ascensão do autoritarismo no mundo, mas teve um caráter mal disfarçado de contraposição à China, cujo regime é autocrático e é o principal rival geopolítico dos EUA. O dirigente chinês, Xi Jinping, não estava entre os mais de cem líderes convidados e certamente não estará na lista da nova reunião.

Convidado por Biden, Lula dificilmente poderá se negar a participar —o que deve desagradar Pequim, que também receberá o petista com pompa e circunstância para uma visita de Estado no mesmo mês.

"Será uma oportunidade para os dois países fortalecerem a relação já próxima", disse nesta segunda (6) o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price. "Esperamos que os presidentes discutam nosso apoio firme à democracia no Brasil e como os dois países podem continuar a trabalhar para promover a inclusão e os valores democráticos na região e ao redor do mundo."

Outro assunto espinhoso que Lula deve trazer à reunião com Biden na sexta-feira (10) é a proposta de um "clube da paz" para intermediar as negociações entre Ucrânia e Rússia. Lula vai insistir na ideia de alinhar países do Sul global que não querem entrar na guerra apoiando claramente um dos lados, com o envio de armas e munições a Kiev, por exemplo, e preferem atuar como facilitadores de diálogos de paz. O presidente citou a iniciativa, ainda incipiente, em entrevistas e ao lado do premiê alemão, Olaf Scholz.

Esse fórum de paz também será debatido na reunião de chanceleres do G20 em Déli, da qual participará o brasileiro Mauro Vieira. A Índia resistiu às pressões ocidentais para impor sanções a Moscou e continuou como um dos principais compradores de petróleo russo. Na visão de Brasília, Brasil e Índia estariam especialmente bem posicionados para a interlocução com a Rússia em eventual negociação de paz.

Mas essa é uma conversa que não vai agradar a Biden. O americano prefere concentrar a agenda em temas como ambiente —ele foi eleito com uma agenda climática extensa e aprovou no ano passado o maior pacote de incentivo ao combate à crise do clima da história do país.

John Kerry, enviado especial de Biden para o clima, encontrou-se duas vezes com Marina Silva desde a eleição —na COP27, em novembro, e neste ano no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Kerry também se reuniu com Lula no Egito e planejava ir ao Brasil nas primeiras semanas deste ano, mas adiou a viagem devido à visita do presidente brasileiro a Washington.

Há uma demanda para que os EUA entrem no Fundo Amazônia, iniciativa de arrecadação de recursos para conservação e combate ao desmatamento na floresta, bancado pela Noruega e pela Alemanha —e, em menor proporção, pela Petrobras.

Desde a gestão Ricardo Salles no Meio Ambiente, durante o governo Bolsonaro, o Brasil pede recursos do governo americano para ajudar na preservação ambiental, mas as negociações não avançavam porque os EUA não viam sinais de comprometimento do ex-presidente no assunto. Kerry, agora, teria sinalizado de forma positiva para a entrada no Fundo. Seria uma mudança do governo americano, que é mais reticente do que outros países ricos, sobretudo da Europa, em aportar recursos em iniciativas semelhantes.

A viagem de Lula a Washington tem sido chamada de "política" para justificar a agenda enxuta e a baixa expectativa de grandes anúncios. Segundo envolvidos na preparação da viagem, será a inauguração de uma nova fase: nem a subordinação absoluta do Brasil aos EUA da época de Bolsonaro e Trump nem os estranhamentos e o antiamericanismo de outros governos do PT, inclusive do próprio Lula.

Brasília também atribui a visita relâmpago à dificuldade logística. Existia pressão dos EUA para que a viagem a Washington acontecesse antes de o petista ir à China. Mas a data oferecida ao governo brasileiro, uma sexta-feira, era ingrata —difícil agendar eventos no sábado.

No mesmo dia da reunião com Lula, Biden vai receber um grupo de governadores na Casa Branca e, no dia seguinte, promoverá um baile de gala. O horário do encontro entre os dois líderes no Salão Oval foi mudando devido a essa programação. Seria de manhã, e agora está previsto para o período da tarde.

A expectativa é que os dois líderes conversem por mais de uma hora. Em parte do encontro eles serão acompanhados de ministros –Marina Silva (Meio Ambiente) e Anielle Franco (Igualdade Racial)—, além de Mauro Vieira e do assessor internacional Celso Amorim, presentes o tempo todo.

Na manhã de sexta-feira, o presidente Lula deve conceder uma entrevista exclusiva à CNN americana, provavelmente à âncora Christiane Amanpour. O petista também deve se reunir com um grupo de cerca de 20 legisladores democratas, entre os quais o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandra Ocasio-Cortez, ambos ligados à ala mais à esquerda do partido de Biden. Eles foram muito atuantes com cartas e resoluções condenando a política ambiental e as ameaças autoritárias de Bolsonaro, e alguns deles pressionam o FBI e a Casa Branca para que reexaminem o visto do ex-presidente.

Ainda existe a possibilidade de encaixar um encontro de Lula com lideranças do AFL-CIO, maior federação de sindicatos dos EUA. Richard Trumka, que foi presidente da organização por 12 anos e era próximo de Lula, chegou a visitar o petista na prisão, em Curitiba. Ele morreu em 2021.

O presidente deve se hospedar na Blair House, residência do governo americano que serve de acomodação para alguns chefes de Estado e fica do outro lado da rua da Casa Branca. O brasileiro afirmou que preferia ficar em um hotel, mas foram levadas em conta questões de segurança, devido à agressividade de alguns apoiadores de Bolsonaro e à possibilidade de manifestações.

Na Blair House, o esquema de segurança não permite nenhum tipo de protesto não pacífico, e o acesso à praça onde fica a residência costuma ser restringido durante a visita de delegações estrangeiras.

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