Membros da Igreja Católica em Portugal abusaram de 4.815 menores desde 1950

Comissão independente defende alteração no prazo de prescrição para crimes do tipo de 23 para 30 anos

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Lisboa

A comissão independente que investiga casos de abuso sexual contra menores de idade na Igreja Católica em Portugal concluiu que ao menos 4.815 crianças foram abusadas por membros da instituição desde 1950. O relatório final do caso foi apresentado publicamente na manhã desta segunda (13), em Lisboa.

Coordenador do grupo interdisciplinar que realizou o trabalho, o pedopsiquiatra Pedro Strecht afirmou que os quase 5.000 casos identificados de menores de idade que sofreram abusos representam um número "absolutamente mínimo" dos episódios, sendo "apenas a ponta do iceberg" de sua dimensão real.

Os casos, que tiveram um pico entre as décadas de 1960 e 1990, aconteceram em diversos contextos, como em seminários, sacristias, colégios internos, confessionários, grupos de escoteiros e casas de acolhimento ligadas à igreja. Cerca de 96% dos abusadores são do sexo masculino, e 77%, padres.

Igreja na região de Lisboa, em Portugal
Igreja na região de Lisboa, em Portugal - Pedro Nunes - 13.fev.23/Reuters

Houve registros em todos os distritos do país. A idade média dos menores é de 11,2 anos, e os principais alvos das agressões sexuais eram meninos —52,7% dos casos—, como na maioria de investigações do tipo. A comissão destaca, no entanto, o número significativo de meninas que também foram abusadas.

Em 57,2%% dos episódios, os menores foram abusados mais de uma vez, e 27,5% relataram que os crimes perduraram por mais de um ano. A maior parte dos episódios já prescreveu, mas 25 casos que ainda estão dentro dos prazos legais foram enviados ao Ministério Público.

As conclusões apresentadas no relatório serão discutidas em uma reunião especial da cúpula católica no país, que também vai avaliar se haverá pagamento de indenizações às vítimas. Na França, onde uma investigação independente revelou que mais de 200 mil crianças e adolescentes haviam sido abusados em um período de 70 anos, a igreja concordou em vender bens e imóveis para custear indenizações.

Em Portugal, a comissão foi criada a pedido da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), justamente em meio à onda de escândalos de abusos sexuais contra menores na Igreja Católica em diversos países.

Antes de começar a apresentação das conclusões, Strecht, coordenador da comissão, agradeceu a "liberdade e a total independência" para realizar o trabalho. Além de coletar relatos por meio de uma linha telefônica e um site dedicados à investigação, o órgão analisou documentos nos arquivos diocesanos.

Dos casos informados, 512 foram validados. Em razão da demora no acesso a parte do acervo, nem todos os documentos puderam ser analisados. O relatório destaca ainda ter havido tentativas de ocultação dos abusos por parte do clero.

Na conferência, os membros da comissão alternaram a divulgação dos números e dos dados técnicos do relatório com a leitura de alguns relatos das vítimas. "Quando contei à minha mãe, ela não acreditou. E ainda pior: disse que eu era culpada", ouviu-se em um dos depoimentos.

As vítimas levaram em média dez anos para falar pela primeira vez sobre os abusos. Para mais de 40% delas, o primeiro relato foi feito para a comissão independente. Apenas 4% prestaram queixas judiciais.

"A característica fundamental do abuso é o poder que o abusador tem em relação à criança", disse o psiquiatra Daniel Sampaio, também membro do órgão. "Nas instituições religiosas aparece uma vulnerabilidade da criança ampliada por uma crença espiritual. Portanto, a relação espiritual entre o abusador e a criança torna a criança mais vulnerável."

Na apresentação, a comissão independente pediu mudanças nos prazos de prescrição. Em Portugal, a lei atual diz que vítimas de abusos sexuais no momento em que são menores de idade têm até os 23 anos para apresentar queixas formais. Os especialistas defendem que os prazos sejam alargados para 30 anos.

Em uma entrevista coletiva realizada horas após a divulgação das conclusões da comissão independente, o presidente da Conferência Episcopal de Portugal, bispo José Ornelas, pediu perdão às vítimas e afirmou que se trata de "uma ferida aberta que dói e envergonha".

"Os abusos de menores são crimes hediondos. Quem os comete tem de assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades civis, criminais e morais daí decorrentes", afirmou o religioso, que prometeu trabalhar para encontrar mecanismos mais eficazes de prevenção e de resolução dos casos.

Erramos: o texto foi alterado

Relatório da comissão que investiga abusos cometidos por padres em Portugal aponta que eles ocorreram mais de uma vez em 57,2% dos casos, não em 52,7%, como afirmava versão anterior deste texto.

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