Regime de Ortega na Nicarágua tira nacionalidade de mais 94 opositores

Ditadura centro-americana adota prática como nova estratégia para limar críticas após alterar Constituição

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São Paulo

A Justiça da Nicarágua tirou a nacionalidade de mais 94 críticos a Daniel Ortega, estratégia que parece ser o novo padrão de tratamento do regime centro-americano para reprimir opositores. A decisão foi lida pelo magistrado do Tribunal de Apelações de Manágua, Ernesto Rodríguez, nesta quarta-feira (15).

A prática foi inaugurada na última quinta (9), quando 222 presos políticos foram expulsos e enviados para os EUA. Na ocasião, a Assembleia Nacional, dominada por aliados de Ortega, aprovou em um só dia uma reforma constitucional para permitir a retirada de nacionalidade de cidadãos —algo até então vetado.

Daniel Ortega fala a apoiadores na capital do país, Manágua
Daniel Ortega fala a apoiadores na capital do país, Manágua - Marvin Recinos - 8.jun.21/AFP

Eles são considerados "traidores da pátria" pelo regime, título dado àqueles que "firam os interesses supremos da nação" ou "aplaudam a imposição de sanções contra o Estado da Nicarágua", por exemplo.

Na prática, a lei que determina esses delitos é usada contra críticos da ditadura. Além de perder a cidadania, seus direitos políticos de concorrer em eleições e exercer cargos públicos também foram suprimidos de forma perpétua, e os réus foram considerados fugitivos. Imóveis e empresas que tenham no país —a maioria está no exílio, especialmente na vizinha Costa Rica— serão confiscados pelo Estado.

Entre as afetadas está a jornalista Lucía Pineda, 49, conhecida entre os nicaraguenses como La Chilindrina, nome em espanhol da Chiquinha, personagem da série mexicana "Chaves". O ex-presidente da Nicarágua Arnoldo Alemán foi quem lhe deu o apelido, durante uma entrevista em 1997, para ressaltar que a repórter era insistente com suas perguntas sobre gastos públicos do governo.

Pineda estava na redação do canal 100% Notícias em 2018 quando o espaço foi invadido por policiais do regime. A emissora fazia uma cobertura crítica da repressão contra os atos que tomaram conta do país naquele ano contra uma proposta de reforma da Previdência. Os protestos, que deixaram mais de 300 mortos, foram um ponto de inflexão no autoritarismo de Ortega.

A jornalista foi presa após a invasão e, depois de liberta em junho de 2019, exilou-se na Costa Rica.

"Eles disseram que estavam em paz após expulsar os 222 presos políticos, mas não estão. Seguem planejando maldades", diz Pineda. "Já fizeram praticamente de tudo, mas não funcionou, porque seguimos fazendo nosso trabalho. Levaram-me à prisão e, um mês depois de ser solta, já estava trabalhando."

A jornalista mantém uma casa no país de origem, que agora pode ser confiscada pelo Estado, segundo as novas punições previstas pelo regime. "Minha propriedade está em um terreno que foi presente da minha mãe e onde plantei cem árvores. Foi fruto do meu trabalho como repórter. Ali está todo o meu esforço."

A estratégia do regime, diz, é amedrontar e silenciar os opositores que estão fora do país e denunciam a ditadura. "Eles vivem de semear medo. Como jornalista, não tenho medo. Vou seguir trabalhando." Pineda tem nacionalidade costariquenha, o que não é o caso de todos os afetados, que podem virar apátridas.

Na lista também estão nomes como Carlos Fernando Chamorro, jornalista e fundador do Confidencial, um dos principais jornais do país; Vilma Núñez, presidente do Centro de Direitos Humanos; Sergio Ramírez, ex-vice-presidente e vencedor do prêmio Cervantes, Wilfredo Miranda, jornalista e colaborador do El País, e Arturo McFields, ex-embaixador na Organização de Estados Americanos (OEA).

"Dou graças a Deus", afirmou McFields em um vídeo divulgado em suas redes sociais. "Isso significa que estamos fazendo uma luta —não com ódio, mas com amor— para que a Nicarágua volte à democracia."

Em março do ano passado, quando ainda representava o país no órgão multilateral, ele rebelou-se contra o governo e acusou o regime de desrespeitar os direitos humanos e sufocar a população. "Denunciar a ditadura do meu país não é fácil, mas defender o indefensável é impossível. Tenho que falar, ainda que tenha medo e ainda que meu futuro e o da minha família sejam incertos", afirmou na época.

Na lista está também a poetisa Gioconda Belli. Nascida em Manágua, ela integrou a Frente Sandinista de Libertação Nacional contra a ditadura de Anastasio Somoza e, em razão da militância, teve de se exilar até o movimento revolucionário tomar o poder, em 1979. Com a escalada autoritária de Ortega, que também integrou a Frente Sandinista, teve de se exilar novamente, desta vez em Madri.

Em suas redes sociais, o também acusado Yader Morazán, ex-funcionário do Poder Judicial do país e atualmente exilado nos EUA, questionou a pena. "Como me impuseram uma pena sem processo e que nem existe no Código Penal? Desde quando uma lei se aplica a acontecimentos do passado?", escreveu.

Na semana passada, a Espanha ofereceu nacionalidade aos mais de 200 ex-presos políticos expatriados.

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