DeSantis tenta transformar faculdade progressista em referência conservadora nos EUA

Educadores dizem que governador da Flórida faz ataque político à liberdade acadêmica

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Patricia Mazzei
Sarasota (Flórida) | The New York Times

Depois que seu filho começou a frequentar a New College of Florida, a doutora Sonia Howman sentiu uma pontada de medo sobre o futuro da pequena e pouco conhecida faculdade de artes liberais nas margens da Baía de Sarasota, na Flórida.

Seu filho, que se identifica como LGBTQ e sofreu bullying no ensino médio, encontrou "um pequeno lugar seguro neste estado cada vez mais hostil", disse. "Estava rezando para que DeSantis nunca o descobrisse. Mas ele descobriu."

Alunos no campus do New College of Florida na cidade de Sarasota, nos EUA
Alunos no campus do New College of Florida na cidade de Sarasota, nos EUA - Octavio Jones - 3.jan.23/The New York Times

Um plano do governador Ron DeSantis para transformar o New College —instituição progressista e que se descreve como "uma comunidade de pensadores livres"— em referência do conservadorismo deixou alunos, pais e membros do corpo docente cambaleando sob o que eles veem como um ataque político à liberdade acadêmica.

O comissário de educação de DeSantis manifestou o desejo de refazer a instituição pública à imagem do Hillsdale College, uma pequena escola cristã em Michigan que tem atuado na política conservadora.

Durante 25 dias tumultuados no mês passado, o governador republicano removeu seis dos 13 curadores da faculdade, substituindo-os por aliados com opiniões fortemente conservadoras. O novo conselho, então, expulsou a presidente da instituição, uma educadora profissional, e nomeou como substituto o ex-comissário de educação de DeSantis, um político de carreira.

Na segunda-feira (13), o conselho aprovou o pagamento ao escolhido de um salário de US$ 699 mil (R$ 3,5 milhões) por ano, mais que o dobro do salário de sua antecessora.

DeSantis, considerado um aspirante à Casa Branca, fez dos ataques ideológicos à educação o centro de sua política. Seu governo proibiu as discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual até a terceira série, limitou o que as escolas podem ensinar sobre racismo, rejeitou livros didáticos de matemática e proibiu um curso avançado em estudos afro-americanos para alunos do ensino médio.

"Você sabia que acabaria chegando ao ensino superior", disse Sam Sharf, aluno do segundo ano do New College. "Mas eu não esperava que fosse acontecer tão rapidamente."

Em 31 de janeiro, quando a presidente da faculdade foi deposta, DeSantis divulgou novas políticas para o ensino superior que eliminaram programas de diversidade e equidade e, para muitos, agravaram o mal-estar que já tinha se instalado nas faculdades e universidades públicas da Flórida.

O Estado também tornou mais difícil para os membros do corpo docente manterem seus cargos, pediu a alunos e professores que preenchessem uma pesquisa sobre suas tendências políticas pessoais e solicitou informações sobre recursos para alunos transgênero.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, discursa após eleições primárias para as midterms em Tampa, nos Estados Unidos - Octavio Jones - 24.ago.22/Reuters

Mas as mudanças podem ocorrer mais abruptamente no New College, que tem cerca de 700 alunos. Um dos novos curadores, Christopher Rufo, disse no início de janeiro que os departamentos acadêmicos da instituição "serão muito diferentes nos próximos 120 dias".

"Tudo o que está acontecendo tem sido muito perturbador", disse Elizabeth C. Leininger, professora-associada de biologia. "É parecido quando temos furacão aqui na Flórida e todos ficam preocupados."

Que o New College enfrenta desafios é indiscutível. O número de matrículas vinha caindo até o ano passado. Seus dormitórios estão mofados, os laboratórios são antiquados. Há poucas atividades fora das salas de aula. Em resenhas publicadas no niche.com, que avalia faculdades, alunos e ex-alunos criticaram instalações decrépitas, falta de estrutura e, em alguns casos, o que descreveram como uma obsessão entre os alunos por políticas de identidade.

A faculdade tem desempenho ruim em métricas estaduais –como o número de diplomas de bacharel concedidos em áreas de alta demanda e a porcentagem de graduados que ganham pelo menos US$ 30 mil (R$ 154,5 mil) por ano após a formatura.

Ainda assim, afirmações sem fundamento de DeSantis e aliados de que os alunos da instituição estão sendo doutrinados por professores de extrema esquerda ofenderam alunos, professores, pais e ex-alunos. Muitos disseram que a escola recebe jovens que talvez não se encaixassem em outro lugar.

Isso atrai um grupo de jovens adultos, muitos progressistas e LGBTQIA+, que se interessam pelo corpo estudantil existente, disseram alunos, pais, ex-alunos e professores. Mas isso não significa que o que é ensinado nas aulas necessariamente se alinhe com as opiniões dos alunos, acrescentaram.

Joshua Epstein, 17, que pretende se formar no ano que vem, disse que se tornou mais conservador no New College. Ele mencionou professores que ensinam muitos pontos de vista e incentivam os alunos a formar suas próprias opiniões. Epstein mudou sua especialização em ciência política para economia quantitativa e espera se tornar um advogado corporativo ou um banqueiro de investimentos.

"A imagem desta escola como uma universidade progressista com todos os alunos socialistas radicais simplesmente não é verdade", disse.

Joshua Epstein, aluno do New College of Florida, no campus de Sarasota
Joshua Epstein, aluno do New College of Florida, no campus de Sarasota - Octavio Jones - 3.fev.23/The New York Times

No New College, os alunos concluem uma tese para se formar. As turmas têm em média dez estudantes. Eles não recebem notas, mas são aprovados ou reprovados. Muitos se dedicam a programas de estudo independentes. A mensalidade anual para moradores da Flórida é de cerca de US$ 7.000 (R$ 36 mil).

DeSantis culpou a adoção pela escola de programas de diversidade e equidade, que ele afirma servirem como "um filtro ideológico", por seu fracasso em atrair mais alunos.

"Isso faz parte do motivo pelo qual acho que não foi bem-sucedida e o número de matrículas caiu tanto", disse. "Conversei com pessoas que moram em Sarasota e não sabiam o que era o New College."

Ele prometeu US$ 15 milhões (R$ 77,2 milhões) para novos professores e bolsas de estudo, o que pode ser transformador, disseram membros atuais e antigos do corpo docente. Mas eles e outros se perguntaram por que o Estado nunca havia investido tanto dinheiro no New College antes.

Na sexta-feira (10), o corpo docente votou a favor da publicação de uma declaração que "rejeita todas as tentativas de politizar o apoio a todos os membros da comunidade". A pandemia de coronavírus prejudicou ainda mais as matrículas no New College. Em 2021, após uma busca de seis meses, os curadores contrataram como presidente Patricia Okker, ex-reitora da Universidade de Missouri.

Frequentadores da New College of Florida manifestam apoio a Patricia Okker em reunião
Frequentadores da New College of Florida manifestam apoio a Patricia Okker em reunião - Todd Anderson - 31.jan.23/The New York Times

Encarregada de transformar a escola, principalmente aumentando o corpo discente, mas também melhorando a arrecadação de fundos, ela ajudou a aumentar as matrículas em 2022.

Mas isso pouco importou para salvar seu emprego. Horas antes de os novos curadores de DeSantis realizarem sua primeira reunião, em 31 de janeiro, vazou a notícia de que Richard Corcoran, ex-comissário estadual de educação, seria nomeado presidente interino da escola.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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