Sou dos EUA, mas não represento políticas migratórias dos EUA, diz candidata a agência da ONU

Amy Pope concorre à liderança da Organização Internacional para as Migrações contra atual líder português

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Brasília

A americana Amy Pope, 48, atual diretora-assistente para Gestão e Reforma da OIM (Organização Internacional para as Migrações), tenta ser eleita a nova chefe da agência da ONU.

Ela esteve nesta semana em Brasília para defender sua candidatura em reuniões com autoridades brasileiras. Em entrevista à Folha, disse que não representa as políticas migratórias dos Estados Unidos e defendeu maior atenção aos fluxos migratórios internos na África e na América Latina.

Amy Pope, candidata americana à direção-geral da Organização Internacional para Migrações, na embaixada americana em Brasília
Amy Pope, candidata americana à direção-geral da Organização Internacional para Migrações, na embaixada americana em Brasília - Pedro Ladeira - 6.fev.23/Folhapress

A sra. está concorrendo a diretora-geral da OIM contra António Vitorino, que tenta a reeleição. Por que entrou na disputa? Não há dúvidas que o tema da migração —e o papel que a OIM pode desempenhar— é cada vez mais importante. Não podemos mais apenas tratar os sintomas, há milhões de pessoas cujas vidas estão em risco. A razão de eu concorrer é que o status quo não é sustentável. Acredito que precisamos sair do século 20 e entrar no século 21. A liderança da OIM precisa estar totalmente engajada em viajar aos locais onde as migrações estão ocorrendo, para trabalhar junto às comunidades mais impactadas. Não podemos fazer isso com os métodos antigos, é preciso trazer novas ideias e energia.

Quais são os argumentos apresentados às autoridades brasileiras sobre sua candidatura? Primeiro, colocar os migrantes no centro do que fazemos. A solução que existe numa parte do mundo pode não funcionar em outra. Em segundo lugar, fortalecer nossa relação com os Estados-membros. Finalmente, nossa força de trabalho é fundamental para o sucesso. Precisamos ter uma melhor representatividade de nacionalidades. Não podemos ser uma organização composta [apenas] por europeus. Se queremos trabalhar numa escala global, precisamos garantir igualdade de gênero em todos os níveis.

Como pretende convencer os países da OIM que sua gestão não estará excessivamente focada nos problemas migratórios dos EUA? É preciso olhar para meu trabalho dentro da organização. Liderei os esforços para reformar o orçamento [da OIM], algo que havia anos precisava ser resolvido. A forma que alcancei o consenso foi encontrar todos os Estados-membros —conversar com cada grupo geográfico—, viajar às capitais para ouvir os diferentes pontos de vista sobre o que estava funcionando e o que não estava. Assim alcançamos uma solução de consenso.

Essa é a fórmula a partir da qual precisamos trabalhar. Nós somos uma organização global, é fundamental que a diretora-geral esteja no terreno e entenda o que está ocorrendo. Vou me envolver, estarei nas capitais e visitarei os locais onde os migrantes estão e onde se estabeleceram.

Migração é um tema que por vezes gera atrito entre EUA e Brasil. Isso é um obstáculo para pedir o voto do governo Lula? Acredito que não. Não represento o governo dos EUA. Sou a candidata dos EUA, mas não represento suas políticas [migratórias]. Reconheço que cada governo tem o direito de estabelecer suas próprias políticas e de administrar suas fronteiras como preferirem. Nosso trabalho na OIM é sobre proteger os direitos e a dignidade dos migrantes.

Em primeiro lugar, precisamos entender o que está motivando as pessoas a deixarem [seus países]. O que vemos é que a ampla maioria das pessoas que está em deslocamento sente que não tem outra opção. Nosso objetivo é criar opções, não é dizer que a migração é ruim. Na verdade, a migração causa um benefício tremendo tanto para o país de origem como para o país onde os migrantes se estabelecem.

A coisa mais perigosa na migração é quando ela ocorre por canais irregulares, quando os migrantes podem ser explorados por atores criminosos. A OIM pode atuar na criação de canais regulares para que as pessoas que não têm alternativa nos seus locais de origem tenham opções em outros lugares.

Existe uma crítica na América Latina de que os EUA deveriam investir mais para criar oportunidades na região e, dessa forma, desestimular o fluxo migratório. Esse é um tema da sua candidatura? Não é um problema [para minha candidatura]. Mas digo uma coisa sobre o que motiva uma pessoa a deixar seu local de origem. Pode ser que ela esteja vivendo numa região que sofreu uma seca e onde não é mais possível cultivar a terra; pode ser que ela esteja numa comunidade muito violenta e não se sinta segura. Pode ser que as oportunidades econômicas tenham colapsado. Então precisamos identificar [essas razões] e lidar com essas pressões. Ao pensar nisso, vejo que o investimento do setor privado é chave.

Quais são os principais cenários hoje no mundo que a organização deve atuar? Existe um grande foco na migração do Sul para o Norte sem entender a migração que ocorre entre diferentes regiões do Sul. Por exemplo, 80% da migração que está ocorrendo na África é dentro do próprio continente. Acho que a OIM tem muito trabalho por fazer na construção do suporte e da capacidade necessários na África em vez de focar apenas a migração que ocorre da África para a Europa.

Quando olhamos para a América Latina, vemos um número recorde de pessoas em movimento. Claro que isso envolve venezuelanos, haitianos; vimos muita migração em direção ao Norte, além de uma migração tremenda dentro dos próprios países, de áreas rurais para as urbanas. Para mim, esse é um aspecto que precisa ser abordado com os Estados-membros e não tem recebido a atenção necessária.

Agora, olhando para o futuro. Não é possível subestimar o quanto as mudanças climáticas vão nos impactar. Isso vai afetar as oportunidades mais imediatas das pessoas. As mudanças climáticas tendem a aumentar a competição por recursos. Então é importante usar o que sabemos sobre comunidades em risco e a tecnologia que nos permite identificar quais comunidades serão deslocadas pelas mudanças climáticas. Será algo global, claro. Certamente ocorrerá na América Latina, já estamos vendo acontecer na África, em ilhas do Pacífico. Vemos comunidades cada vez mais desestabilizadas.


RAIO-X | Amy Pope, 48

É diretora-assistente para Gestão e Reforma da OIM e candidata à direção geral da entidade. Antes, ocupou cargos relacionados a migração em governos democratas: foi conselheira sênior para migração de Joe Biden (2021), conselheira-assistente de segurança interna (2015-17) e diretora sênior em segurança transfronteiriça (2013-15).

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