Sunak completa 100 dias no poder sob pressão de greves, crises e ameaça de recessão

Primeiro-ministro do Reino Unido sucedeu lideranças em declínio, mas seu governo luta para também não sucumbir

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Milão

O Reino Unido deu nesta semana uma amostra do que foram os primeiros cem dias do governo de Rishi Sunak: greves, escândalos e economia em crise. Desde o último domingo (29), o premiê britânico precisou demitir um membro do seu gabinete, foi alertado de que seu país pode ser a única economia avançada a terminar o ano em recessão e enfrentou o maior dia de greves em mais de uma década.

Sunak, 42, assumiu o cargo em 25 de outubro, como o primeiro líder britânico não branco, o mais jovem em dois séculos e mais rico do que o rei Charles 3º. Chegou como o terceiro premiê do ano, depois das renúncias de Liz Truss e Boris Johnson —marcados, respectivamente, por péssimas decisões na área econômica e festas inapropriadas durante a pandemia. Sunak prometia, cem dias atrás, pautar seu governo pela "integridade, profissionalismo e responsabilidade em todos os níveis".

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, ruante evento em universidade no norte da Inglaterra - Oli Scarff - 30.jan.23/Pool/AFP

A frase não combina com o caso que resultou na queda de Nadhim Zahawi, presidente do Partido Conservador que tinha status de ministro. Depois de semanas na berlinda, foi demitido no domingo por violar o código de ética ao não revelar, quando chegou ao governo de Boris, que era investigado por irregularidades fiscais nem que fez um acordo de quase 5 milhões de libras por evasão fiscal.

Foi a segunda baixa na equipe desde que Sunak assumiu –em novembro, Gavin Williamson saiu após acusações de assédio moral–, e já há pressão para o afastamento de outro integrante, dessa vez o vice-premiê Dominic Raab, investigado também por assédio moral.

Os episódios políticos ocupam uma fração no descontentamento dos britânicos com o governo. Nesta quarta, 500 mil pessoas cruzaram os braços e saíram às ruas em cidades como Londres, Cambridge, Liverpool e Oxford. Considerada a maior desde 2011, a greve foi liderada por professores, acompanhados por funcionários públicos e ferroviários.

As paralisações, que se intensificaram desde dezembro, têm como causa a alta do custo de vida, agravada pela maior taxa de inflação dos últimos 40 anos. Além dessas categorias, enfermeiras, motoristas de ambulância e bombeiros também reivindicam reajustes de salário que superem a alta de mais de 10% nos preços, puxada por alimentos e energia.

Como o governo tem se recusado a ceder às demandas dos grevistas, a pressão das ruas deve se manter nos próximos meses, com paralisações já agendadas pelo menos até 20 de março.

As queixas dos trabalhadores fazem parte de um quadro maior de crise econômica que não dá sinais de arrefecimento. Nesta quinta, o Banco Central inglês deve aumentar, pela décima vez, a taxa de juros para 4% –quase o dobro da zona do euro–, outro impacto no orçamento de famílias que pagam hipotecas.

Segundo projeção do Fundo Monetário Internacional, a economia do Reino Unido encolherá 0,6% neste ano, e o país será o único do G7, grupo das principais economias do mundo, a entrar em recessão. "A atividade econômica é um problema sério. Há um débito privado muito alto, as pessoas que não conseguem pagar as taxas de juros altas não compram, e a economia entra em recessão", explica Leila Talani, professora de economia política internacional do King's College de Londres.

Na sua avaliação, a crise está ligada a erros que o Partido Conservador cometeu ao longo de quase 13 anos no governo, incluindo o brexit, que fez aniversário de três anos nesta semana. "Os conservadores governaram muito mal. O brexit é um dos motivos pelo qual o Reino Unido está em recessão, e o resto da Europa, não." Neste ano, a zona do euro deve crescer 0,7%, prevê o FMI.

Esse contexto interfere diretamente no desempenho de Sunak. "Os primeiros cem dias de governo foram desastrosos. Os conservadores não têm nenhuma liderança, e a de Sunak é residual. Sobrou somente ele, mais ninguém, e essa foi a solução para não antecipar as eleições."

Segundo Talani, os próximos meses devem continuar sendo de contestação às políticas de Sunak, seja porque a situação econômica não deve melhorar, seja porque há a percepção de que o governo já chegou ao fim. "Todos entenderam que o governo está em seu último estágio."

Pesquisa YouGov mostra que 56% dos britânicos afirmam desaprovar Sunak como premiê. Quase metade (45%) dos eleitores estão prontos para levar o Partido Trabalhista, principal legenda da oposição, de volta ao poder –somente 26% votariam nos conservadores. "É, hoje, impossível uma vitória dos conservadores. E um eventual governo trabalhista deverá ser moderado, um que provavelmente vai buscar fazer acordos com a União Europeia. Sem isso, não se pode ir em frente", avalia Talani.

A situação de Sunak contrasta com a da italiana Giorgia Meloni, 46, que também completou nesta semana cem dias como primeira-ministra. Sua chegada ao poder também teve ares de novidade, por ser ela jovem, a primeira mulher e a primeira de ultradireita a governar desde o fascista Benito Mussolini.

Mas, à diferença de Sunak, o início do governo Meloni tem sido de relativa estabilidade, apesar de políticas internas controversas, como o cerco às ONGs que salvam imigrantes no Mediterrâneo. Diante de uma oposição fragmentada e em processo de autoanálise, seu partido, Irmãos da Itália, permanece como o favorito, com 29,7%, segundo cálculos do YouTrend –percentual maior do que o obtido nas eleições de setembro, 26%.

Desde que assumiu, Meloni recuou em temas que eram parte do programa da sua coalizão, como os impostos sobre combustíveis. Diferentemente daquilo que defendia antes, não renovou um subsídio concedido pelo antecessor, Mario Draghi, o que fez subir os preços e levou a uma greve de postos de gasolina. Até mesmo o polêmico decreto anti-rave acabou sendo reescrito e abrandado na tramitação no Parlamento.

"O único objetivo do governo Meloni é continuar no poder. Por isso, farão qualquer coisa para permanecer, incluindo não realizar políticas de que gostariam", avalia Talani, que também é diretora do Centro de Política Italiana do King's College. Na sua visão, a manutenção do subsídio poderia trazer impactos nas contas públicas e provocar reações negativas do mercado financeiro.

Em nome de um projeto político que pode durar ao menos cinco anos –as próximas eleições são em 2027–, por ora a posição é de prudência. "É um governo de direita radical nas questões internas, mas, nas externas, fará tudo o que os outros pedem. Serão europeus, pró-Otan, pró-Ucrânia. O importante é não perder o lugar."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.