Brasil deixa de assinar declaração contra Rússia em Cúpula da Democracia

Lula não participou de evento de Biden, mas enviou carta com menções ao 8 de Janeiro e a conflito entre EUA e China

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Washington

O Brasil não assinou a declaração final da segunda edição da Cúpula da Democracia, evento promovido pelo governo Joe Biden e organizado em conjunto com Costa Rica, Holanda, Coreia do Sul e Zâmbia.

O texto traz uma série de críticas à invasão da Ucrânia pela Rússia, que já dura mais de 13 meses. "Lamentamos as terríveis consequências humanitárias e de direitos humanos da agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, incluindo os ataques contínuos contra infraestrutura crítica em toda a Ucrânia com consequências devastadoras para os civis, e expressamos nossa grande preocupação com o alto número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças, o número de deslocados internos e refugiados que precisam de assistência humanitária, e violações e abusos cometidos contra crianças", diz o documento.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante segunda edição da Cúpula da Democracia, na Casa Branca - Jonathan Ernst - 29.mar.23/Reuters

A informação foi publicada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.

A declaração levanta ainda preocupações com o impacto da guerra em áreas como segurança alimentar e energética, proteção nuclear e meio ambiente. "Exigimos que a Rússia retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia e pedimos o fim das hostilidades", continua o texto, pedindo responsabilização por crimes que violam o direito internacional.

Ao todo, 76 países assinaram o comunicado, 16 deles apontando discordâncias. Três países signatários, por exemplo, não concordam integralmente com o parágrafo que cita a Rússia: Índia (membro do Brics, ao lado de Moscou, Brasil, China e África do Sul), Armênia e México. A avaliação do governo brasileiro, segundo diplomatas ouvidos pela reportagem, foi de que o fórum adequado para discutir o tema seria a ONU, não a Cúpula da Democracia.

O evento, que começou na terça-feira (28) e se encerra nesta quinta-feira (30), serviu como uma espécie de fórum online com discursos feitos por líderes via videoconferência. O governo americano convidou 120 países para participar, mas apenas 85 lideranças enviaram discursos, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava entre eles. O presidente estaria na China —país não convidado para a cúpula— e iria enviar um vídeo gravado, o que não foi possível por questões de saúde depois que ele recebeu diagnóstico de pneumonia, segundo fontes do governo brasileiro.

Lula, porém, enviou uma carta aos organizadores em que lembrou do ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro e ressaltou a importância de fortalecer a democracia. "As instituições democráticas precisam ser capazes de resistir a atentados violentos, a campanhas de desinformação e a discursos de ódio, que frequentemente se valem das redes sociais. Estamos diante de um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta", escreveu.

O presidente brasileiro também defendeu a importância de "instituições sólidas, lideranças determinadas e cooperação internacional" para combater "inimigos da democracia" para além das fronteiras nacionais. "Na América Latina e no Caribe, apostamos na integração regional e no diálogo como plataformas para o enfrentamento coletivo desses desafios e fortalecimento da democracia."

Lula ainda se referiu, sem citar os nomes dos países, ao conflito entre EUA e China. "Atravessamos momento de ameaça de uma nova guerra fria e da inevitabilidade de um conflito armado. Todos sabem os custos que a primeira guerra teve em gastos com armas em detrimento de investimentos sociais. A bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões. Defender a democracia é lutar pela paz. O diálogo político é o melhor caminho para a construção de consensos."

Questionado sobre as ausências de assinaturas na declaração final da cúpula, uma autoridade sênior do governo americano afirmou que "em qualquer declaração conjunta as negociações podem ser intensas" e que as assinaturas são preliminares, uma vez que mais países podem aderir ao documento.

A declaração conjunta da cúpula não é centrada na Guerra da Ucrânia, mas é uma espécie de compromisso dos signatários com a promoção da democracia e com o fortalecimento de instituições. O texto, porém, foi assinado por líderes criticados por ações consideradas antidemocráticas, como Narendra Modi, da Índia, Binyamin Netanyahu, de Israel, e Andrzej Duda, da Polônia.

Sob Lula, a diplomacia brasileira manteve postura semelhante à que já tinha com Jair Bolsonaro (PL) na Guerra da Ucrânia e tem evitado aderir às manifestações mais duras dos Estados Unidos e de aliados do Ocidente, ainda que tenha condenado a guerra em fóruns internacionais.

Lula já propôs criar um "clube da paz" de países não alinhados para negociar o fim da guerra e se opõe ao envio de armas e de munições aos ucranianos e à adoção de sanções contra os russos. Na carta enviada aos membros da cúpula, voltou a colocar o Brasil como negociador da paz no conflito do Leste Europeu. "O Brasil fará a sua parte. Contribuiremos, nos diferentes foros multilaterais e no diálogo entre países, para o fortalecimento da democracia, sempre norteados pelo direito internacional e pelos direitos humanos."

Nesta semana, o Brasil votou junto com Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU pela abertura de uma investigação do ataque aos gasodutos russos Nord Stream, que ligam a Rússia à Alemanha, mas a posição foi derrotada pelos outros membros do órgão.

Em fevereiro, porém, o governo brasileiro cedeu à pressão da Casa Branca e aceitou uma declaração conjunta com o governo Biden após a visita de Lula a Washington que condenava nominalmente Moscou pela violação territorial na Ucrânia, pelo desrespeito ao direito internacional, pelas mortes e pelos ataques à infraestrutura essencial do país.

A Cúpula da Democracia neste ano estava esvaziada em relação ao primeiro encontro, e ausências importantes foram notadas. Além do Brasil, líderes de países como Chile, Argentina, Espanha e Portugal não participaram.

Biden anunciou um financiamento de US$ 690 milhões (R$ 3,5 bilhões) para um fundo para fortalecer democracias em todo o mundo. O valor ultrapassa os cerca de US$ 400 milhões (cerca de R$ 2 bilhões) anunciados com um propósito semelhante em 2021, durante a primeira edição do evento. Segundo o líder americano, o montante servirá para ajudar a combater a corrupção, apoiar eleições livres e justas e desenvolver tecnologias avançadas a fim de apoiar governos democráticos.

Há, no entanto, dúvidas em relação à efetividade desse tipo de iniciativa, e ressalvas ao protagonismo que os EUA tentam assumir nesse sentido, alinhado, por óbvio, às pretensões americanas.

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