Descrição de chapéu The New York Times

Cruzeiro de luxo vira abrigo para sobreviventes de terremoto na Turquia

Gemini é uma das pelo menos cinco embarcações espalhadas pela costa dando assistência a milhares de pessoas

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Cora Engelbrecht Nimet Kirac
Iskenderun (Turquia) | The New York Times

Crianças vasculham caixas de brinquedos doados no saguão para jantar, transformado em creche. O salão de beleza foi convertido numa barbearia de um homem só. Nos conveses amplos, meninos correm de um lado para o outro. Isso tudo dentro do cruzeiro Gemini, disponibilizado para abrigar desalojados turcos.

Famílias tomam chá e olham para as montanhas ao fundo, cenário da vida que perderam, da qual só restaram os escombros causados por dois terremotos que destruíram parte da Turquia e do oeste da Síria.

Mulher sentada em cadeira com criança sentada em cima da mesa. Ao fundo da imagem, pela janela, é possível observar outro navio.
Mãe e filho turcos no navio Gemini, uma das soluções encontradas pela província de Hatay para abrigar desabrigados pelo terremoto, no porto de Iskenederun, na Turquia - Sergey Ponomarev/NYT

"Estamos vivendo numa espécie de sonho estranho. É assombroso", comentou a enfermeira Basak Atay, 30 anos. Ela está vivendo há alguns dias com sua família no navio de luxo de 164 metros de extensão, convertido em abrigo para mais de mil, dos estimados 1,7 milhão de turcos desabrigados pelos terremotos.

"Nunca imaginei que em um momento como este eu estaria num cruzeiro para lugar nenhum", comentou Atay, que perdeu familiares e amigos.

O navio, que antes levava pessoas de férias da Turquia para as ilhas gregas, abriga sobreviventes no porto de Iskenderun, sul da província de Hatay, gravemente atingida pelos terremotos. Pelo menos 650 mil moradores abandonaram a região desde o primeiro terremoto, em 6 de fevereiro, segundo o prefeito local. As pessoas embarcadas no Gemini representam uma parcela minúscula dos que resistiram.

O governo turco já enfrentava uma crise habitacional antes do terremoto. Desde então, tem montado uma colcha de retalhos de soluções improvisadas para ajudar os desalojados.

O Gemini é uma das pelo menos cinco embarcações espalhadas pela costa de Hatay, dando assistência a milhares de pessoas. Num porto próximo, um navio militar foi convertido em hospital, onde médicos já realizaram dezenas de cirurgias, incluindo um parto.

Balsas também abrigam e transportam famílias pelo mar Mediterrâneo e para cidades do norte turco, como Istambul e Mersin, locais com aumento populacional de quase 21% nas últimas três semanas.

O Ministério de Energia da Turquia alugou em dezembro o Gemini, com 400 cabines, para hospedar temporariamente funcionários na costa de Filiyos, no mar Negro. Quando o terremoto ocorreu, o navio foi enviado ao porto de Iskenderun para ser usado por sobreviventes da catástrofe. As autoridades locais atenderam aos pedidos de abrigo na embarcação, destinando cabines a pessoas com deficiências, idosos, mulheres grávidas e pessoas com crianças pequenas.

Como muitos dos passageiros, a enfermeira Basak Atay disse que é a primeira vez que está num cruzeiro de luxo.

"A gente fala de como pessoas felizes devem ter criado recordações divertidas neste navio", comentou, dizendo que podia imaginar gente dançando no convés inferior, com cordões de luzinhas iluminando o piso de madeira. "Mas nós estamos arrasados."

Antes de chegar ao Gemini, sua família de oito pessoas passou por uma verdadeira corrida de obstáculos de abrigos temporários –um carro, uma barraca e um hotel–, enquanto ela continuava trabalhando como enfermeira no setor de emergências de um hospital particular a 20 minutos do porto.

"Eu me sentia andando nas pontas dos pés", disse, recordando o alívio que sentiu quando chegou ao navio e teve sua primeira noite de sono ininterrupto, um dia após um terremoto de 6,6 graus perto de Iskenderun, que destruiu mais casas e prédios.

Ayse Acikgoz, 72 anos, estava sentada num banco de couro branco no convés nº 6, tricotando roupas de frio para seus 15 netos, que ainda estão morando em barracas. No andar de cima, no saguão Eclipse, uma dúzia de pessoas assistiam a notícias do terremoto na televisão. Um grupo de homens na proa do navio manuseava cordões de contas, semelhantes a rosários, enquanto assistiam a uma partida de gamão.

Na hora do almoço, as pessoas no restaurante Egeu fizeram fila no bufê para servir-se de arroz, lentilhas e fígado de carneiro em pratos de plástico. As crianças olhavam com interesse para o balcão de sobremesas, com laranjas fatiadas e bolinhas de massa frita com melado.

"A comida é quente, e as opções mudam todos os dias", disse Ayse Simsek, 33 anos. Antes de chegarem ao Gemini, ela e suas duas filhas passaram nove dias em seu carro, sobrevivendo de sopa em copinhos distribuída por entidades humanitárias.

Gul Seker, 34, estava abrigada num acampamento de contêineres em Iskenderun, e se preparava para dar à luz, quando uma vizinha a chamou e a aconselhou a pedir uma vaga no navio. Em questão de horas, estava no Gemini com seu marido e filho. Dias depois, entrou em trabalho de parto.

Falando de sua cabine no sétimo andar do navio, com vista para o horizonte azul, ela desabafa sobre a hora do parto: "Pensei que fosse morrer. Chamei meu marido para me despedir dele". Uma recepcionista do navio arranjou sua transferência para o hospital no navio militar ali perto, mas ela acabou dando à luz num hospital público em Iskenderun.

"Dizemos que ela é nosso milagre", prosseguiu, arrumando a renda na touca de sua filha dentro do carrinho. Mamadeiras e fraldas estavam dispostas numa prateleira com roupas de bebê e bichos de pelúcia —presentes dados por passageiros e tripulantes.

A bebê de Seker recebeu o nome da empresa do navio de cruzeiro, Miray, que está escrito em letras azuis nas paredes do Gemini.

Tradução de Clara Allain

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