Descrição de chapéu The New York Times

Fox News entrou em pânico após acertar vitória de Biden em 2020; veja bastidores

Emissora de viés conservador fez reunião para evitar que espectadores se enfurecessem com projeções certeiras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Peter Baker
Washington | The New York Times

Pouco mais de uma semana depois de as redes de televisão terem projetado a vitória de Joe Biden na eleição presidencial de 2020, altos executivos e âncoras da Fox News tiveram uma reunião para discutir como haviam errado. Não porque tivessem errado a projeção mais importante, mas porque a haviam acertado. E haviam acertado antes de qualquer outra emissora.

Normalmente é motivo de orgulho para uma emissora ser a primeira a projetar os vencedores de eleições. Mas a Fox News não é um canal de notícias típico, e nos dias seguintes ao pleito ela foi assediada por protestos irados vindos não apenas de seguidores do ex-presidente Donald Trump, mas também de seus próprios espectadores, pelo fato de ter projetado a vitória de Biden no disputado estado do Arizona.

Reprodução de transmissão da Fox News no momento em que foi anunciado resultado favorável a Joe Biden no Arizona
Reprodução de transmissão da Fox News no momento em que foi anunciado resultado favorável a Joe Biden no Arizona - Reprodução

O fato de a projeção ter se mostrado correta não vinha ao caso –os executivos da Fox News receavam perder público para concorrentes da extrema direita como a Newsmax.

Assim, em 16 de novembro de 2020, Suzanne Scott, CEO da Fox News Media, e Jay Wallace, presidente da rede, convocaram uma reunião por Zoom para uma discussão extraordinária com um objetivo incomum, segundo uma gravação do encontro: discutir como evitar enfurecer a plateia conservadora da rede novamente, projetando uma vitória de um candidato democrata antes de a concorrência fazê-lo.

Talvez, refletiram os executivos da Fox News, eles devessem abandonar o novo e sofisticado sistema de projeção de resultados eleitorais em que a rede investira milhões de dólares e voltar a usar o modelo mais demorado e menos exato. Ou talvez devessem basear suas projeções não apenas nos números, mas também na reação possível dos espectadores. Ou, ainda, talvez devessem adiar suas projeções, mesmo que corretas, para conservar o público em suspense e aumentar sua audiência. "É uma realidade triste: se não tivéssemos projetado a vitória de Biden no Arizona, nossos índices de audiência teriam sido maiores naqueles três ou quatro dias seguintes à eleição", disse Scott. "O mistério ainda estaria no ar."

Bret Baier e Martha MacCallum, os dois âncoras principais, sugeriram que não bastava projetar os resultados em um estado com base em cálculos numéricos, o critério usado pelas redes há gerações para fazer essas determinações. Talvez a reação dos espectadores também devesse ser levada em conta. "Num ambiente dominado por Trump, a situação é muito, muito diferente", disse MacCallum.

A discussão captou a crise que tomou conta da Fox News após a eleição e destacou o papel singular exercido pela emissora no ecossistema conservador. A conduta dela nesse período está sendo submetida a exame num processo de US$ 1,6 bilhão por difamação movido pela Dominion Voting Systems.

Documentos apresentados no tribunal nos últimos dias revelaram que executivos e apresentadores da Fox consideraram alegações de fraude feitas por pessoas do entorno de Trump como "realmente malucas", nas palavras de Rupert Murdoch, presidente do império de mídia da Fox, mas as veicularam e defenderam no ar mesmo assim. A gravação da reunião de 16 de novembro contextualiza ainda mais o ambiente interno da rede à época, quando executivos estavam na defensiva devido à projeção que haviam feito sobre o Arizona e temiam ser repudiados por Trump e seus seguidores.

Em comunicado divulgado no último sábado, a rede disse: "A Fox News confirmou sua projeção sobre o Arizona, apesar de questionamento intenso. Dados a margem estreitíssima de 0,3% e um novo mecanismo de projeção que nenhuma outra rede possuía, é evidente que seria feita uma autópsia ampla da projeção e como ela foi executada, fossem quais fossem os candidatos."

Quem está na berlinda agora é Suzanne Scott, que chegou à Fox como assistente de programação quando a rede foi criada, em 1996, e foi galgando degraus até se tornar CEO em 2018. Analistas de mídia especulam que talvez ela seja escolhida como bode expiatório; Murdoch disse em depoimento que executivos que autorizam a divulgação de mentiras, cientes de que são mentiras, "devem ser repreendidos e possivelmente demitidos". Mas a Fox divulgou mais tarde que ela não corre perigo.

Scott estave entre os executivos que ficaram alarmados quando a editoria de Decisão da rede projetou a vitória de Biden, às 23h20 do dia da eleição, 3 de novembro de 2020. A projeção enfureceu Trump e aliados porque o Arizona era um estado indeciso cujo placar poderia prenunciar o resultado geral. Nenhuma outra emissora projetou o resultado do Arizona naquela noite, ainda que a Associated Press o tivesse feito algumas horas mais tarde, e os jornalistas da Fox News que fizeram a projeção reafirmaram sua posição.

Às 8h30 do dia seguinte, Scott sugeriu que a Fox não projetasse os resultados de outros estados enquanto não fossem certificados pelas autoridades, um processo formal que poderia demorar dias ou semanas. Ela foi persuadida a desistir da ideia. Mas no dia seguinte, com a dianteira de Biden no Arizona encolhendo, Baier notou que a campanha de Trump estava furiosa e sugeriu que a projeção fosse invertida. "Ela está nos prejudicando", escreveu ele a Wallace e a outros em um e-mail previamente noticiado. "Quanto antes a gente desdizer o que disse, melhor, mesmo que isso nos deixe com a cara no chão. E quanto antes a gente der a vitória para Trump, melhor para nós. Na minha opinião."

O Arizona nunca tinha entrado para a lista dos estados vencidos por Trump, e a editoria de Decisão, comandada por Bill Sammon, editor-gerente de Washington, resistiu à proposta de "devolver" o Estado a um candidato que estava perdendo, apenas para agradar aos críticos.

Mas na noite de 6 de novembro, quando a equipe de Sammon estava prestes a projetar a vitória de Biden em Nevada, consagrando sua vitória nacional, Wallace se recusou a colocar a projeção no ar. "Ainda não estou convencido de que é o caso, já que isso vai significar a vitória total. É uma decisão que pesa mais que a projeção de um estado individual", escreveu ele em mensagem de texto à qual o Times teve acesso.

Para não ser a primeira a projetar o vencedor da eleição, a Fox News se tornou a última. A CNN projetou a vitória de Biden no dia seguinte, às 11h24, seguida pelas outras redes. A Fox News só concordou às 11h40, cerca de 14 horas depois de a equipe eleitoral de Sammon ter concluído internamente que a disputa já estava decidida. Enquanto Biden manteve sua vitória no Arizona por uma maioria de 10 mil votos, as consequências explosivas da projeção feita pela Fox News provocaram pânico na emissora. Os espectadores se enfureceram. Os índices de audiência caíram.

No dia 16 de novembro, Scott e Wallace convocaram a reunião no Zoom para discutir a decisão sobre o Arizona. Sammon e Arnon Mishkin, diretor da editoria de Decisão, foram incluídos no encontro. Chris Stirewalt, o editor político que tinha ido ao ar para defender a projeção, não foi.

Conforme revela a gravação revista pelo New York Times, Scott convidou Baier e MacCallum –"as caras" da rede, como ela os chamava— a descrever as críticas que estavam recebendo. "Virou uma coisa realmente prejudicial", disse Baier. Ele disse que as projeções não são o suficiente para se declarar a vitória em um estado quando isso será tão explosivo. "Estava a par das estatísticas e dos números, mas tem que haver uma outra camada" para que pudessem "pensar mais além, pensar nas implicações".

MacCallum concordou: "Evidentemente houve uma reação negativa tremenda, acho que maior do que qualquer um de nós poderia prever. Portanto, existe aquela camada entre as estatísticas e a avaliação editorial sobre o timing, que acho que é um fator a levar em conta." Para "uma facção de nossa plateia que fala muito alto", disse ela, a projeção foi um soco no estômago.

Nem ela nem Baier explicaram exatamente o que queriam dizer com "outra camada". Uma pessoa que estava presente na reunião e exigiu anonimato para falar de discussões internas disse no sábado que Baier estava falando do processo porque ficara chateado com o fato de a editoria de Decisão ter feito a projeção sobre o Arizona sem primeiro informar os âncoras.

O que ninguém disse na reunião foi que Scott não permitiria que a equipe de Sammon voltasse a colocar a imagem da Fox News em risco novamente. Ela decidiu demitir Sammon e Stirewalt, mas, temendo críticas por demitir jornalistas que tinham acertado as projeções, optou por aguardar até depois da Geórgia.

Murdoch não queria esperar. Em 20 de novembro, quatro dias depois da reunião no Zoom, segundo documentos apresentados pela Dominion, ele disse a Scott: "Talvez seja melhor demitir Bill já", o que seria "uma mensagem importante ao pessoal de Trump". Sammon, que projetara todas as eleições corretamente ao longo de 12 anos na Fox News e a quem acabara de ser oferecido um novo contrato de três anos, foi informado no mesmo dia que seu contrato não seria renovado. Ele foi informado disso não pela Fox News, mas por seu advogado, Robert Barnett. Stirewalt também foi demitido.

A Fox News acabou aguardando até depois da Geórgia para anunciar o expurgo, sem atribuí-lo à projeção sobre o Arizona. Sammon, que negociara um pacote de indenização, caracterizaria sua saída da emissora como "aposentadoria", enquanto a demissão de Stirewalt foi descrita como "restruturação".

Três semanas mais tarde, a Fox News anunciou uma nova extensão por vários anos do contrato de Scott.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.