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Guerra do Iraque 11 de setembro

Impacto regional da invasão do Iraque começa e termina no Irã

Guerra criou nova ordem no Oriente Médio e atribuiu a Teerã e Riad papéis determinados por peso crescente de China e Rússia

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Claudia Antunes

Jornalista, foi editora de Mundo na Folha e de Internacional em O Globo

Rio de Janeiro

A invasão do Iraque pelos EUA, há 20 anos, mudou radicalmente o balanço de forças no Oriente Médio e influenciou o desfecho de eventos posteriores, como a Primavera Árabe, numa história que começa e termina com o Irã como protagonista.

Alvo do governo de George W. Bush —que a incluiu no "eixo do mal" com Iraque e Coreia do Norte, embora nenhum deles tenha participado dos atentados do 11 de Setembro—, a República Islâmica foi beneficiada de imediato pelo desmonte da ditadura secular do Partido Baath, de Saddam Hussein, e o estabelecimento de um sistema sectário em que os xiitas se tornaram preponderantes.

num campo de guerra, soldados correm em meio à mata rasteira. ao fundo, é possível ver tanques e fumaça
Membros de uma unidade de fuzileiros navais americanos se protegem de fogo inimigo durante uma das primeiras fases da invasão anglo-americana, no sul do Iraque - Desmond Boylan - 21.mar.03/Reuters

Até a invasão, Bagdá, embora enfraquecida pelo embargo que se seguiu à invasão do Kuwait e à Guerra do Golfo para expulsá-la de lá, em 1991, liderava a oposição a Teerã na região, tendo sido apoiada pelo Ocidente na Guerra Irã-Iraque (1980-1988), iniciada um ano após a revolução iraniana.

Os xiitas majoritários no país persa tinham laços históricos com essa comunidade no Iraque, cuja ascensão permitiu a Teerã consolidar um eixo de influência —ou "eixo de resistência", como prefere— que incluiu também o Líbano do partido-milícia Hizbullah, a Síria de Bashar al-Assad e o apoio ao grupo palestino Hamas.

Em ensaio na revista International Affairs, Louise Fawcett, professora de relações internacionais da Universidade de Oxford, afirmou que a invasão levou à construção de uma "nova ordem regional". Nela, a monarquia absolutista da Arábia Saudita se estabeleceu inicialmente como a nova liderança da oposição ao Irã, numa competição que se espalhou pelo Oriente Médio, incluindo a guerra esquecida no Iêmen, uma das maiores tragédias humanitárias da atualidade.

Ela sim implicada no 11 de Setembro, uma vez que a maioria dos autores dos ataques terroristas era saudita, Riad assumiu esse alto perfil em parte devido à perda de confiança na proteção militar oferecida pelos americanos, diz Fawcett. Gradualmente, os sauditas também adotaram uma maior autonomia em relação aos EUA, jogando com os interesses da Rússia e da China.

Pequim atua hoje no Oriente Médio por meio do comércio —40% do petróleo que importa vem do Golfo Pérsico— e da sua Iniciativa Cinturão e Rota de infraestrutura.

Moscou mantém boas relações com os parceiros na aliança petrolífera Opep+, criada em 2016, e reabriu uma cunha estratégica ao apoiar decisivamente Assad, depois que os protestos sírios da Primavera Árabe, em 2011, degeneraram em guerra civil, com grupos jihadistas na oposição armada a Damasco. As duas potências desenvolvem na região projetos de cooperação em energia nuclear.

A professora de Oxford lembra que o Irã nunca quis ser um "pária" regional. A República Islâmica buscou a normalização de sua presença e o reconhecimento como potência regional. Solidarizou-se com os EUA após os ataques da Al Qaeda e apoiou, por meio de milícias aliadas no Iraque, o sangrento combate ao Estado Islâmico (EI)que também tem raízes no desmonte do Exército iraquiano pelos americanos e na disputa entre xiitas e sunitas estimulada pelos ocupantes.

No entanto, a maior oportunidade para essa normalização foi bloqueada quando Donald Trump rompeu o acordo nuclear assinado em 2015 por Barack Obama, que visava impedir que o Irã chegasse à bomba atômica –busca nunca confirmada, mas, para muitos, provocada por sua inclusão no "eixo do mal" de Bush.

A rivalidade comum com o Irã foi determinante para os Acordos de Abraão, patrocinados por Trump, pelos quais Israel estabeleceu relações diplomáticas com Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Outro fator que pesou nesses pactos foi a perda de relevância do conflito palestino-israelense depois do fracasso da última tentativa americana de negociar a criação de um Estado palestino, feita por Obama.

Os israelenses, únicos detentores da bomba no Oriente Médio, esperavam selar o bloco anti-Irã estabelecendo relações também com os sauditas, mas o plano se viu frustrado neste mês, quando Riad e Teerã assinaram um acordo para retomar seus laços diplomáticos, rompidos em 2016. As negociações começaram em 2021, com Iraque e Omã como intermediários, porém o acordo acabou selado pela China.

No ano passado, Xi Jinping visitou a Arábia Saudita e, neste ano, recebeu em Pequim o presidente iraniano, Ebrahim Raisi. "As implicações completas do acordo ainda não estão claras, mas ele mostra o peso que uma potência externa adquire quando tem relações produtivas com todas as partes envolvidas em rivalidades regionais", disse Steven Simon, que foi diretor do Conselho de Segurança Nacional no governo Obama e hoje é analista do Instituto Quincy. Os EUA, claro, não desfrutam da mesma equidistância.

Os estilhaços da invasão do Iraque e a consolidação da competição com a China como objetivo principal da política externa levaram, desde Obama, a uma professada intenção americana de reduzir seu envolvimento no Oriente Médio. Washington, porém, ainda é o maior exportador de armas para a região e mantém seu colar de bases na Península Arábica.

Se a motivação inicial do envolvimento militar era resguardar os fluxos de petróleo, como depreendido da Doutrina Carter (1980), a equação mudou. Desde 2018, com a exploração do gás de xisto, os EUA se tornaram o maior produtor mundial do combustível, comprando do Golfo Pérsico apenas cerca de 8% de suas importações de óleo cru.

A justificativa para manter as bases militares se tornou mais fluida. "O argumento é conter o Irã e manter uma posição para intervir contra grupos como o EI. A infraestrutura militar tem lógica própria, porém: uma vez estabelecida, é mais fácil manter e continuar a usar do que desativá-la", diz o historiador Zachary Cuyler, da Fundação Century, centro de estudos progressista de Washington.

Para Cuyler, as lentes das divisões étnicas e religiosas com que nos habituamos a olhar a política do Oriente Médio são enganosas. Isso fica patente tanto no acordo recém-firmado entre iranianos e sauditas como na política interna dos países.

Os interventores de Bush no Iraque optaram por um modelo confessional semelhante ao praticado no Líbano, mas em 2019 protestos nos dois países demonstraram o descontentamento da população com esse sistema clientelista, recuperando um movimento nacional-secularista que foi forte na região em todo o século 20.

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