Irlanda do Norte segue dentro e fora do Mercado Comum Europeu

Acordo assinado nesta sexta (24) deixa país em situação única, atendendo a todos os lados da 'guerra das linguiças'

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Madri

A Irlanda do Norte é o novo gato de Schrödinger. Da mesma forma que aquele felino, imaginado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger para ilustrar as incertezas da mecânica quântica em 1935, estava vivo e morto ao mesmo tempo, a partir desta sexta (24) a Irlanda do Norte está no Mercado Comum Europeu e também não está.

James Cleverly, secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, e Maros Sefcovic, vice-presidente da Comissão Europeia, após assinarem ao acordo Quadro de Windsor, nesta sexta - Niklas Halle'n/Comissão Europeia/AFP

O novo acordo Quadro de Windsor, proposto há um mês pelo primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, foi formalmente assinado em uma reunião em Londres. As regras foram seladas por James Cleverly, secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, e pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic.

Os dois presidem o Comitê Conjunto do Brexit, organismo que supervisiona a correta aplicação da saída do Reino Unido da União Europeia (UE).

A situação única da Irlanda do Norte tem sua origem no Brexit, que aconteceu há três anos. Na ocasião, a nação também saiu da comunidade europeia, mas, diferentemente dos demais países do Reino Unido, a Irlanda do Norte optou por permanecer no Mercado Comum Europeu.

As diferentes legislações comerciais, tributárias e aduaneiras do Reino Unido e da União Europeia causaram, então, uma série de complicações, que podem ser mais bem entendidas usando o exemplo da "guerra das linguiças".

Após o Brexit, os britânicos da Irlanda do Norte não podiam mais comprar as linguiças feitas na Inglaterra. Isso porque mercadorias na categoria "produto resfriado à base de carne" só podem ser importadas pelo bloco europeu se estiverem congeladas. Como essas linguiças não eram congeladas, elas sumiram dos supermercados da Irlanda do Norte.

A partir de agora, no entanto, os portos irlandeses terão duas faixas diferentes para o que entra ali. A faixa verde se destina a produtos para serem consumidos apenas pelo mercado irlandês, portanto, não precisa seguir a legislação europeia.

Já a faixa vermelha é para produtos que entrarão na Irlanda do Norte e depois seguirão para a UE. As linguiças inglesas, portanto, poderão ser importadas pela faixa verde, para consumo local, mas não pela vermelha, para posterior reexportação.

Em meio à "guerra das linguiças", o açougueiro Kieran McAtamney exibe alguns exemplares feitos de porco em sua loja em Ballymena, na Irlanda do Norte - Paul Faith - 10.dez.2020/AFP

"Com as medidas acordadas, respondemos, de forma definitiva, aos desafios colocados durante a implementação do Protocolo Irlandês nos últimos dois anos, bem como aos problemas cotidianos que os cidadãos e empresas da Irlanda têm enfrentado, ao mesmo tempo em que apoiamos e protegemos o acordo da Sexta-Feira Santa em todos os seus pontos", disseram Cleverly e Sefcovic em comunicado conjunto.

O acordo da Sexta-Feira Santa é um pacto assinado em 1998, em Belfast, que encerrou décadas de uma guerra civil entre o IRA (Exército Republicano Irlandês) e o Reino Unido, que foi responsável por 3.700 mortes.

O documento estabeleceu a Irlanda do Norte como nação oficial do Reino Unido, mas também criou o princípio de que o norte e o sul irlandeses poderão unificar a ilha, caso ambos os governos concordem nessa decisão.

Para resolver a questão das linguiças e afins, antes do acordo assinado nesta sexta, cogitou-se fazer uma fronteira aduaneira entre as duas Irlandas, o que poderia promover abalos políticos no tratado da Sexta-Feira Santa e levar oxigênio à questão separatista. O Quadro de Windsor resolve a questão sem necessidade uma cerca entre as Irlandas —a República da Irlanda, mais ao sul, não faz parte do Reino Unido e segue normalmente na União Europeia.

Sunak tem motivos para comemorar, uma vez que debelou nesta semana uma rebelião contra o novo acordo por seu partido Conservador. Boris Johnson e Liz Truss, os dois predecessores de Sunak no cargo de primeiro-ministro, foram dois dos 22 parlamentares conservadores que se recusaram a apoiar o documento, junto com seis do partido Unionista Democrático.

Mas o primeiro-ministro conseguiu manter a unidade e a maioria do grupo conservador, tendo o respaldo de 515 parlamentares na votação que aconteceu nesta quarta (22).

"A Comissão Europeia e o governo do Reino Unido reafirmaram o seu desejo de explorar plenamente o potencial do novo acordo de comércio e cooperação e de maximizar o potencial da relação UE-Reino Unido de formas que beneficiem ambas as partes", concluiu o comunicado conjunto.

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