Número de menores que cruzam Darién, a 'selva da morte', cresce 10 vezes

Região entre Colômbia e Panamá, perigosa rota migratória, registra salto no número de migrações irregulares em 2023

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São Paulo

"É a selva da morte, assim a descrevem". Andrés Puerta, 27, nascido em Medellín, na Colômbia, enfrentou nove dias no estreito de Darién, uma das rotas migratórias mais perigosas do mundo, para depois ir ao México, onde busca melhores condições socioeconômicas.

Na região entre a Colômbia e o Panamá, deparou-se com uma região que, como alertam especialistas há tempos, é de controle de grupos armados. "Desde o início da selva, existe gente que se aproveita dos imigrantes. Homens imponentes, armados, jovens e encapuzados que cobram US$ 200 só para começarmos o caminho."

Migrantes da Venezuela no estreito de Darién, região entre a Colômbia e o Panamá
Migrantes da Venezuela no estreito de Darién, região entre a Colômbia e o Panamá - Luis Acosta - 13.out.22/AFP

Andrés testemunhou mudanças no perfil migratório. "Há muitas mães com, às vezes, dois filhos pequenos, um nas costas, outro no colo. É impressionante. E muitos nem as ajudam. Tocou-me muito a história de uma recém-nascida que morreu no colo da mãe no caminho."

A crise migratória em Darién escalou. Em janeiro e fevereiro deste ano, quase 50 mil migrantes cruzaram o estreito. O número é cinco vezes maior do que a cifra observada no mesmo período de 2022.

E chama ainda mais atenção o aumento no número de crianças e adolescentes: quase 17 mil nos mesmos dois dois meses, dez vezes mais do que o registrado no período do ano anterior. Se em 2022 eram cerca de 17% do fluxo migratório neste período, agora menores representam 35%.

Pesquisadores ainda tentam entender as razões desse fenômeno. Mas apontam que há um claro reflexo do arrefecimento da pandemia de Covid e, por óbvio, da crise econômica nos países da América do Sul, de onde parte a maioria dos migrantes para Darién.

"É um 'coquetel explosivo' de fatores e causas estruturais", diz Álvaro Botero Navarro, professor da Universidade Americana, nos EUA. "Para uma região que já tem problemas como altos níveis de pobreza e desigualdade, isso se agrava. Para muitos, a migração vem a ser uma opção normal de sobrevivência."

Mas Darién é apenas "porta de entrada para uma larga rota migratória que se estende até a fronteira sul dos EUA", explica Ligia Bolivar, pesquisadora do Centro de Direitos Humanos de Universidade Católica Andrés Bello, da Venezuela. Do estreito, migrantes passam por Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México.

"Não houve um aumento proporcional no número de migrantes na fronteira americana, o que mostra que existe um represamento ao longo da rota migratória. Essas pessoas estão ficando no meio do caminho. Não porque querem, mas porque não têm mais dinheiro, foram roubadas, sequestradas ou vítimas de outros tipos de abuso."

O território, como já admitiram os governos de Colômbia e Panamá, está de fora do controle dos Estados. Andrés, o colombiano que cruzou Darién em outubro passado, relata ter sido extorquido em cada acampamento que parava para descansar. Sem dinheiro, muitas vezes limpava o local em troca de um passe para seguir.

"O primeiro desafio é o cansaço físico. Mas sua vida corre muito risco. Se não der o que as pessoas que te extorquem pedem, você morre", conta. E, ao cruzar Darién, a realidade tampouco é fácil.

Andrés relata ter sido hostilizado por policiais no Panamá e narra a passagem por com centros de migração insalubres. "Veem os migrantes como uma oportunidade de dinheiro fácil", diz, acrescentando que teve que pagar cerca de US$ 150 para entrar em cada um dos países da rota até o México.

"Darién está fora do controle do Estado colombiano e é pouco monitorado pela parte panamenha. Está nas mãos de grupos privados, paramilitares, que estão por trás de operações de tráfico de pessoas", explica Alberto Hernández, professor do centro de pesquisa Colégio da Fronteira Norte, do México.

O aumento do número de menores de 18 anos em uma rota perigosa, onde pelo menos 156 migrantes morreram ou desapareceram desde 2014 —cifra da ONU reconhecidamente subnotificada— preocupa especialistas, que ainda não indicam uma razão clara para isso.

"Parece ser resultado do fato de que muitas famílias, em especial haitianas e venezuelanas, chegam a Darién depois de passar anos em países como Brasil, Chile, Colômbia e Equador, onde não têm com quem deixar seus filhos", diz Juan Pappier, subdiretor para Américas da ONG Human Rights Watch.

Ele também diz ver relação com o perfil de migração que sai do Equador, muitas vezes formado por grupos familiares que fogem da escalada da violência no país —equatorianos são a segunda nacionalidade mais presente no estreito, depois dos haitianos.

Além de cidadãos da América Latina, chama a atenção o volume de chineses e indianos, parte da lista das dez principais nacionalidades que cruzam Darién. Pappier, que esteve recentemente na região, diz ter ouvido de chineses que a rota foi uma alternativa para fugir da repressão do regime de Xi Jinping para os EUA após não conseguirem emigrar de maneira legal.

Não há uma solução única para o desafio da chamada "selva da morte", afirmam os especialistas. Mas, em consenso, eles apontam que é urgente uma articulação de países da América do Sul e dos EUA para legalizar rotas de migração —algo que, pelo caminhar do endurecimento de políticas migratórias posto em prática por Joe Biden e governantes de nações da América Central, parece uma realidade distante.

"A resposta tem sido insuficiente", afirma Ligia Bolivar. "Tem sido a de se desfazer o mais rápido possível das pessoas que estão em seus territórios. Não há, ao longo da rota migratória, bons centros de apoio para migrantes. O que há são centros de detenção."

Álvaro Navarro, que também é ex-vice-presidente do Comitê de Trabalhadores Migrantes da ONU, acrescenta que é preciso combater os desafios estruturais, mas entendendo que "a migração nunca vai desaparecer".

"Trata-se de um fenômeno natural da história. Justamente por isso, temos de regularizar e normalizar a migração. Criar canais regulares, como habilitar corredores humanitários para que as pessoas não tenham de ir por zonas de selva em Darién, onde, claro, estarão mais expostas à ação de grupos armados."

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