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Oposição perde batalha contra reforma de Macron por apenas 9 votos

Assembleia rejeita moções de censura que poderiam derrubar primeira-ministra e reverter aprovação da medida impopular

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Toulouse (França)

Foi por pouco. Num contexto de crise política e social na França, faltaram apenas nove votos para que a oposição a Emmanuel Macron na Assembleia Nacional aprovasse uma moção de censura capaz de derrubar a primeira-ministra Elisabeth Borne e reverter a aprovação da impopular reforma da Previdência.

A primeira-ministra da França, Elisabeth Borne, antes de discursar na Assembleia Nacional; ela e seus aliados conseguiram derrotar as duas moções de censura para a reforma da Previdência que tinham sido apresentadas pela oposição - Bertrand Guay/AFP

A moção, apresentada por uma coalizão transpartidária, recebeu 278 dos 287 votos necessários para sua aprovação. Uma segunda moção de censura foi proposta pelo partido de ultradireita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, mas teve votação ainda menos expressiva, com 94 votos a menos do que a meta, uma vez que vários deputados favoráveis à medida declararam se recusar a votar numa iniciativa do RN.

Com a derrota, a reforma da Previdência que, entre outros pontos, aumenta a idade mínima para aposentadoria no país de 62 para 64 anos e é rejeitada pela maioria dos franceses, será implementada, num contexto de radicalização dos protestos contra a medida.

"Nove votos de diferença não são suficientes para nos fazer mudar de ideia", declarou o líder do partido de ultraesquerda França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, em frente à Assembleia Nacional, em Paris. "Emmanuel Macron brincou com o fogo em um barril de pólvora", acrescentou, apelando à "censura popular" em "todos os lugares e em todas as circunstâncias". Ele aposta na pressão das ruas para impedir a sanção da nova lei.

Jean-Luc Mélenchon, líder do partido França Insubmissa, participa de protesto contra a reforma da Previdência na praça da Concórdia, em Paris, na última quinta (16) - Thomas Samson/16.mar.23/AFP

Ao final da votação, protestos eclodiram em cidades como Lyon, Rennes, Bordeaux, Estrasburgo e Toulouse, onde a polícia usou gás lacrimogêneo contra manifestantes que depredaram o mobiliário público. Em vários bairros de Paris, manifestantes atearam fogo às montanhas de lixo que se acumulam pelas ruas da capital devido à greve dos garis contra a reforma. Pelo menos 70 pessoas foram presas.

As moções foram apresentadas em retaliação ao governo, que impôs a reforma da Previdência aos franceses por meio de um dispositivo constitucional, o artigo 49.3, que permite aprovação de um projeto de lei mesmo sem votação parlamentar favorável. O recurso incendiou os protestos contra a reforma, que já levaram milhões de franceses às ruas e que prometem continuar, a despeito da derrota legislativa.

Numa sessão conturbada e ruidosa, deputados da oposição atacaram o governo diante da primeira-ministra que, sentada na primeira fila do plenário, permaneceu impassível mesmo diante dos discursos mais inflamados. A notável ausência de parlamentares da base do governo na sessão foi sintoma do isolamento político de Borne, que se tornou tóxica depois de evocar o "número maldito", 49.3.

Quando subiu ao púlpito, ao mesmo tempo em que integrantes das siglas de esquerda abandonavam o plenário, Borne acusou deputados de atitudes antiparlamentares, de obstrução do debate sobre o projeto, de ataques pessoais e de "violência nunca vista na 5ª República", período iniciado a partir da Constituição de 1958.

"Há deputados que acreditam que todos os ultrajes são permitidos", disse ela, antes de defender a medida adotada pelo governo. "O 49.3 não é a invenção de um ditador, mas a escolha profundamente democrática feita pelo general [Charles] de Gaulle e aprovada pelo povo francês."

Pesquisa do Ifop apontou que 78% dos franceses rejeitavam o uso do artigo 49.3 para acelerar as mudanças previdenciárias. E enquete do instituto Cluster 17 mostrou que 3 em cada 4 franceses (74%) queriam que a Assembleia aprovasse a moção e derrubasse Borne. Segundo a pesquisa, ainda que esse desejo fosse majoritário entre eleitores do Reunião Nacional (91%), de Le Pen, e do França Insubmissa (98%), de Mélenchon, a medida era vista com bons olhos mesmo entre eleitores de Macron (19%).

Os números dão dimensão ao desgaste do atual governo, que deve enfrentar maior resistência a seus projetos na Assembleia Nacional, além de uma nova jornada de manifestações de rua, que têm recebido adesões espontâneas nos últimos dias.

Bloqueios e quebra-quebra têm sido apontados como gatilho para ameaças contra parlamentares que se manifestaram a favor da reforma e contrários à moção de censura da oposição.

Durante o final de semana, o escritório do presidente do partido Republicanos, Eric Ciotti, em Nice, no sul da França, foi apedrejado e pichado com a frase: "a moção ou a rua". A ação ocorreu dias após manifestantes cortarem o suprimento de energia da casa do senador Bruno Retailleau, da mesma sigla.

O Republicanos era crucial para a aprovação da moção de censura pela Assembleia, assim como o foi para a aprovação da reforma pelo Senado. A maioria dos seus deputados refutou as moções de censura à esquerda e à direita. Deputados da oposição, no entanto, ainda buscam alternativas para barrar a implementação da reforma.

A presidente da Assembleia Nacional informou nesta segunda (20) ter recebido o pedido de um referendo de iniciativa partilhada (RIP, na sigla em francês) assinado por 252 deputados e entregue à presidência pelo Partido Comunista Francês. O referendo permite a organização de uma consulta popular sobre um projeto de lei por iniciativa de um quinto dos parlamentares, ou seja, 185 dos 925 deputados e senadores.

O trâmite do pedido é longo e complexo e começa pela apreciação, nos próximos 30 dias, pelo Conselho Constitucional. Caso seja aprovado, precisa colher assinaturas de apoio de um décimo do eleitorado, ou seja, 4,87 milhões de pessoas, para ser implementado.

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