Rússia é derrotada em batalha de tanques ao repetir erros

Tanques têm dominado conflito na Ucrânia nos últimos meses, enquanto ambos os lados se preparam para ofensivas

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Andrew E. Kramer
Kurakhove (Ucrânia) | The New York Times

Antes de seguir para a batalha em sua máquina de guerra salpicada de lama, um tanque T-64, a tripulação ucraniana de três homens realiza um ritual. O comandante, soldado Dmitro Hrebenok, reza o "Pai Nosso". Então os homens andam ao redor do tanque, acariciando sua robusta armadura verde.

"Nós dizemos: 'Por favor, não nos abandone na batalha'", disse o sargento Artyom Knignitski, o mecânico. "’Leve-nos para dentro e traga-nos para fora.'"

O respeito deles pelo tanque é compreensível. Talvez nenhuma arma simbolize melhor a violência feroz da guerra do que o tanque principal de batalha. Os tanques têm dominado o conflito na Ucrânia nos últimos meses –militar e diplomaticamente–, enquanto ambos os lados se preparam para ofensivas. A Rússia retirou as reservas de tanques dos estoques da era da Guerra Fria, e a Ucrânia instigou os governos ocidentais a fornecerem tanques americanos Abrams e alemães Leopard 2.

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Tripulação do tanque da 72ª brigada da Ucrânia na região de Donetsk, na Ucrânia - Tyler Hicks - 25.fev.2023/The New York Times

Os sofisticados blindados ocidentais são esperados no campo de batalha nos próximos meses. A nova artilharia russa apareceu mais cedo, e em sua primeira mobilização em grande escala foi dizimada.

Uma batalha de três semanas numa planície perto da cidade de mineração de carvão de Vuhledar, no sul da Ucrânia, produziu o que as autoridades ucranianas dizem ser a maior batalha de tanques da guerra até agora e um doloroso fracasso para os russos.

Na batalha prolongada, ambos os lados enviaram tanques para o combate, avançando por estradas de terra e manobrando em torno de árvores, com russos avançando em colunas e ucranianos em atuação defensiva, atirando à distância ou de esconderijos enquanto as colunas russas avançavam à vista.

Quando terminou, a Rússia não apenas tinha deixado de capturar Vuhledar, como também havia cometido o mesmo erro que custou a Moscou centenas de tanques no início da guerra: avançar em colunas para emboscadas.

Explodidos por minas, atingidos por artilharia ou obliterados por mísseis antitanque, os cascos carbonizados de veículos blindados russos agora se espalham pelos campos agrícolas ao redor de Vuhledar, de acordo com imagens de drones militares ucranianos. Os militares da Ucrânia disseram que a Rússia perdeu pelo menos 130 tanques e veículos blindados na batalha. Esse número não pôde ser verificado de forma independente. A Ucrânia não revela quantas armas perdeu.

"Estudamos as estradas que eles usaram, então nos escondemos e esperamos" para disparar de emboscadas, disse Knignitski.

A falta de experiência também atordoou os russos. Muitas de suas unidades de elite estavam destroçadas depois de combates anteriores. Seus vazios foram preenchidos por soldados recém-recrutados, sem instrução sobre as táticas ucranianas para emboscar colunas. Em um sinal de que a Rússia está ficando sem comandantes de tanques experientes, soldados ucranianos disseram ter capturado um médico que havia sido designado para operar um tanque.

O Exército russo se concentrou na guerra de tanques, e até a mitificou, durante décadas por sua lembrança das vitórias contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. As fábricas nos Montes Urais produziram tanques aos milhares. Em Vuhledar, na semana passada, a Rússia perdeu tantas máquinas ao enfrentar ataques de blindados que mudou de tática e recorreu apenas a ataques de infantaria, segundo os comandantes ucranianos.

A profundidade da derrota russa foi destacada por blogueiros militares russos, que se tornaram uma voz influente a favor da guerra no país. Frequentemente críticos dos militares, eles publicaram discursos irritados sobre o fracasso dos repetidos ataques de tanques, culpando os generais por táticas equivocadas com uma arma russa tradicional.

Grey Zone, um canal do Telegram afiliado ao grupo mercenário Wagner, postou na segunda-feira (27) que "parentes dos mortos estão quase dispostos a assassinar e vingar-se com o sangue do general" responsável pelos ataques perto de Vuhledar.

Em uma entrevista detalhada na semana passada numa casa abandonada perto da frente de batalha, o tenente Vladislav Baiak, vice-comandante do 1º Batalhão Mecanizado da 72ª brigada da Ucrânia, descreveu como os soldados ucranianos foram capazes de infligir perdas pesadas no que os comandantes chamaram de a maior batalha de tanques da guerra até agora.

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Uma batalha de três semanas na cidade de Vuhledar, no sul da Ucrânia, produziu doloroso revés para russos - Tyler Hicks - 25.fev.2023/The New York Times

As emboscadas têm sido a tática característica da Ucrânia contra as colunas blindadas russas desde os primeiros dias da guerra. Trabalhando em um bunker em Vuhledar, Baiak avistou a primeira coluna de cerca de 15 tanques e veículos blindados se aproximando em um vídeo de um drone.

"Estávamos prontos", disse ele. "Sabíamos que algo parecido iria acontecer."

Eles tinham preparado uma zona de matança ao longo de uma estrada de terra que os tanques estavam percorrendo. O comandante precisava apenas dar uma ordem pelo rádio, "À batalha!", disse Baiak.

Equipes antitanque escondidas atrás de árvores ao longo dos campos e armadas com mísseis americanos Javelin, guiados por infravermelho, e os ucranianos Stugna-P, guiados a laser, ativaram suas armas. Mais adiante, as baterias de artilharia estavam de prontidão. A estrada de terra foi deixada sem minas, mas os campos ao redor estavam semeados com elas, de modo a atrair os russos a avançar enquanto se evitava que os tanques dessem meia volta quando a armadilha fosse percebida.

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Soldados ucranianos de equipe de artilharia esperam por ordem para atirar em posições russas, na região de Donetsk - Tyler Hicks - 25.fev.2023/The New York Times

A coluna de tanques se torna mais vulnerável, disse Baiak, depois que o tiroteio começa e os motoristas entram em pânico e tentam retornar, dirigindo para o acostamento da estrada carregado de minas. Os veículos explodidos atuam como obstáculos, retardando ou paralisando a coluna. Nesse ponto, a artilharia ucraniana abre fogo, explodindo mais blindados e matando os soldados que saem das máquinas desativadas. Segue-se uma cena de caos e explosões, disse Baiak.

Os comandantes russos enviaram colunas blindadas à frente por falta de outras opções contra as posições bem fortificadas da Ucrânia, por mais custosa que seja a tática, disse ele.

Durante cerca de três semanas de batalha de tanques, repetidos ataques blindados russos fracassaram. Em um caso, os comandantes ucranianos convocaram um ataque com foguetes guiados HIMARS. Geralmente usados contra alvos estacionados, como depósitos de munição ou quartéis, eles também se mostraram eficazes contra uma coluna de tanques parada.

Os ucranianos também dispararam com obuses americanos M777 e franceses Caesar, bem como outros armamentos fornecidos pelo Ocidente, como os Javelins.

A tripulação do tanque ucraniano, que rezava antes de cada batalha, apelidou seu tanque de Nômade, por seus movimentos errantes pelo campo de batalha. Entre as missões, ele permanecia oculto entre árvores sob uma rede de camuflagem, junto de uma estrada de lama revirada pela passagem dos tanques, a 8 quilômetros ou mais da linha de frente.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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