Rússia prende repórter americano sob acusação de espionagem

The Wall Street Journal nega que jornalista estivesse colhendo informações militares secretas para Washington

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São Paulo

O FSB (Serviço Federal de Segurança) da Rússia anunciou nesta quinta (30) a prisão de um repórter do jornal americano The Wall Street Journal sob a acusação de espionar segredos militares para Washington.

Evan Gerchkovitch, um cidadão americano de origem russa de 31 anos, foi detido pelo FSB em Iekaterinburgo, cidade na divisa entre as porções europeia e asiática do país. O órgão disse que ele estava "colhendo informações classificadas como segredo de Estado sobre uma fábrica militar".

O repórter do Wall Street Journal Evan Gerchkovitch, que foi preso na Rússia, em foto de 2021
O repórter do Wall Street Journal Evan Gerchkovitch, que foi preso na Rússia, em foto de 2021 - Dimitar Dilkoff - 24.jul.2021/AFP

Não foram apresentadas provas. O WSJ "nega veementemente as alegações do FSB e busca a imediata libertação de nosso confiável e dedicado repórter", disse o jornal em nota.

Uma corte moscovita determinou que ele fique preso pelo menos até o dia 29 de maio, quando haverá uma audiência sobre o caso. Seu advogado, Daniil Berman, disse que não teve acesso ao tribunal, que alegou já haver um representante da defesa indicado pelo Estado.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, criticou Moscou. "Nos mais duros termos possíveis, nós condenamos as contínuas tentativas do Kremlin de intimidar, reprimir e punir jornalistas e vozes da sociedade civil", disse, dizendo que está tentando resolver o caso.

Segundo a agência Reuters, o cientista político Iaroslav Chirchikov, de Iekaterinburgo, disse que foi entrevistado por Gerchkovitch há duas semanas acerca de atitudes locais ante o grupo mercenário Wagner, que luta pela Rússia na Ucrânia. Pelo relato, ele iria visitar a cidade vizinha de Níjni-Tagil, onde há uma fábrica de tanques, mas para falar com moradores sobre o Wagner. "Ele não era um inimigo da Rússia", afirmou.

É o mais grave caso do gênero envolvendo um jornalista estrangeiro desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro do ano passado. Houve assédio a alguns repórteres e um grande contingente deixou o país, com suas funções sendo assumidas por russos, que já conviviam com uma crescente repressão interna à liberdade de imprensa.

O governo de Vladimir Putin fez pouco do caso. "É um assunto do FSB", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ressaltando que tudo indicava que o jornalista havia sido "pego em flagrante". Já Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que a apuração de Gerchkovitch "não era relacionada a jornalismo" e que é usual o emprego de disfarce de repórter para espionagem.

Para o Kremlin, o repórter preso se torna um ativo valioso para eventual libertação de russos detidos no exterior. Pouco antes da guerra, por exemplo, a jogadora de basquete americana Brittney Griner foi presa sob acusação de posse de drogas em um aeroporto moscovita. Ela só foi solta em dezembro, trocada pelo notório traficante de armas Viktor Bout, que cumpria 25 anos de cadeia nos EUA.

Outro americano, o ex-militar Paul Whelan, está preso desde 2018 acusado de carregar um pen drive com informações confidenciais. Em 2020, ele foi condenado a 16 anos de prisão, e afirma que foi vítima de uma armação.

"Ele é um jornalista muito bom e corajoso, não um espião. É um ataque frontal a todos os correspondentes estrangeiros que ainda trabalham na Rússia. E significa que o FSB está fora da coleira", escreveu no Twitter Andrei Soldatov, especialista em serviços de segurança que deixou a Rússia.

O FSB é o mais temido serviço de segurança russo, sendo o principal herdeiro da estrutura da antiga KGB, dissolvida após o fim da União Soviética.

Gerchkovitch trabalha na Rússia desde 2017, tendo sido empregado pelo jornal virtual The Moscow Times e pela agência de notícias francesa France Presse. Foi contratado pelo WSJ em janeiro do ano passado.

O problema para o repórter é a legislação russa, que foi endurecida brutalmente após o início do conflito. Qualquer reportagem que lide com Forças Armadas ou assuntos militares cai imediatamente no radar das autoridades, que ganharam mandato para processar qualquer um que considerem difamar o esforço de guerra.

Nesses casos, a pena pode chegar a 15 anos de cadeia. Se a acusação for de espionagem, caso do repórter, até 20 anos. Com a repressão, praticamente toda a mídia independente foi fechada na Rússia, com alguns órgãos passando a operar no exterior, como o jornal Novaia Gazeta, editado pelo prêmio Nobel da Paz Dmitri Muratov.

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