Jair Bolsonaro, em discurso no qual buscou inflar os feitos de seu governo e alinhar ainda mais a retórica ao trumpismo, disse neste sábado (4) que, se ainda fosse o presidente do Brasil, o país não teria "esse problema com os navios iranianos".
Aplaudido de pé ao chegar na CPAC, evento da direita apoiadora de Donald Trump nos EUA em Washington, o ex-presidente brasileiro se refere à decisão da Marinha do Brasil de permitir que os navios iranianos Iris Makran e Iris Dena atracassem no Porto do Rio de Janeiro de 26 de fevereiro a 4 de março.
Conforme a Folha mostrou, o Brasil, que já havia autorizado a chegada das embarcações em janeiro, havia cedido à pressão americana no começo de fevereiro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou aos EUA para se encontrar com o líder americano, Joe Biden, e empurrou o atracamento para o fim do mês. Ao final, as embarcações acabaram chegando ao Rio de Janeiro no domingo passado.
Embora tenha citado acontecimentos da política brasileira dos últimos anos e vários de seus slogans de campanha, Bolsonaro tratou com mais ênfase algumas das bandeiras mais caras a seus interlocutores no centro de convenções que sediou a conferência.
Foi aplaudido, por exemplo, quando disse que não obrigou ninguém a tomar vacina contra Covid-19 no Brasil e ao repetir o bordão "povo armado jamais será escravizado". Horas mais tarde, ganhou de Trump uma menção em uma longa lista de agradecimentos. "Uma pessoa muito popular no Brasil", disse o americano. Na sequência, também apontou a presença de Eduardo Bolsonaro. "Ele fez um bom trabalho, acabou de ser reeleito." Pai e filho estavam situados nas filas iniciais da plateia —e receberam mais aplausos quando citados.
Em sua fala, Bolsonaro já havia procurado reforçar o vínculo com o americano. "É indispensável falar aos senhores que o meu relacionamento com o presidente Donald Trump foi simplesmente excepcional", disse o ex-líder brasileiro. Em outro momento do discurso, bateu no peito para dizer que foi o último presidente a reconhecer a vitória de Joe Biden sobre o republicano, que nunca superou a derrota legítima nas urnas.
Mas Trump usou o palanque da CPAC, ainda que esvaziado em relação a edições realizadas quando ele ainda comandava o país, para ditar o clima da próxima corrida à Casa Branca, em 2024, e se autoproclamar o 47º presidente dos Estados Unidos —e foi ovacionado.
"Nossos inimigos querem nos parar porque sabem que nós podemos derrotá-los. Mas eles não estão indo atrás de mim, estão indo atrás de vocês", afirmou. "E é por isso que estou aqui hoje. Nós vamos terminar o que começamos."
Trump também enumerou alguns de seus planos, caso seja reeleito. Entre eles, está conduzir a "maior operação de deportação do país", um déjà vu das promessas que fez na campanha de 2016, inclusive com o compromisso de expandir o muro na fronteira dos EUA com o México. Sem dar detalhes, disse ainda que é o único candidato capaz de evitar a Terceira Guerra Mundial e que poderia colocar um fim na Guerra da Ucrânia em um dia.
Bolsonaro, por sua vez, hospedado em Orlando desde 30 de dezembro, viajou a Washington na sexta-feira (3), para participar do evento, acompanhado do filho Eduardo. Ele chegou a circular rapidamente na sexta e tirou fotos com alguns apoiadores, quase todos brasileiros, mas também eventualmente alguns americanos que o reconheciam.
Uma caravana de políticos brasileiros acompanha o ex-presidente, como o deputado Mário Frias (ex-secretário da Cultura), Gilson Machado (ex-ministro do Turismo), além do deputado estadual de SP Gil Diniz, do senador Jorge Seif e da deputada federal Julia Zanatta. O empresário Otávio Fakhoury também acompanha o grupo.
Há uma série de brasileiros que também viajaram para acompanhar o discurso do ex-presidente. Os ingressos foram vendidos a US$ 295 (R$ 1.539), mas há categorias especiais cujos preços podem chegar a US$ 30 mil (R$ 157 mil), com direito a encontro e jantar com os palestrantes.
Espécie de meca da ultradireita americana, a CPAC reúne os maiores apoiadores de Trump —e ignora seus desafetos dentro do Partido Republicano. Estavam ausentes, por exemplo, o governador da Flórida, Ron DeSantis, considerado o maior adversário do ex-presidente na corrida à Casa Branca no ano que vem, e nomes do alto escalão da legenda, como o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, e o líder da bancada do partido no Senado, Mitch McConnell.
Figuras emblemáticas da direita trumpista como Donald Trump Jr., filho do ex-presidente, e Steve Bannon, estrategista do ex-mandatário, são algumas das maiores celebridades nos corredores do centro de convenções onde acontece o evento. Houve também palestras de nomes importantes da direita mundial, como Nigel Farage, figura-chave na campanha para retirar o Reino Unido da União Europeia.
Há a expectativa de que Bolsonaro se encontre com seu ídolo republicano nos bastidores do evento, embora eles não tenham agenda definida. Os dois líderes tiveram boa relação no período em que conviveram como presidentes (2019 e 2020), e o republicano chegou a gravar vídeos pedindo votos para o hoje ex-presidente brasileiro nas eleições de 2022. Apesar disso, os dois ainda não se encontraram desde que Bolsonaro chegou aos Estados Unidos.
Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, também participou do evento pela manhã. Em uma mesa com o direitista mexicano Eduardo Verastegui discutiu "a ameaça vermelha nas Américas".
O deputado federal já organizou três edições paralelas do evento no Brasil, entre 2019 e 2022. Na última, além de representantes da direita brasileira, estiveram presentes o deputado argentino Javier Milei e José Antonio Kast, candidato derrotado na última eleição presidencial do Chile.
Bolsonaro deixou o Brasil antes de terminar o mandato e rompeu a tradição de passar a faixa para seu sucessor, evitando um encontro com o adversário Lula. Em entrevista ao Wall Street Journal, o ex-presidente afirmou que voltará ao país em março. Sem visto permanente, ele não tem autorização para ficar mais do que seis meses nos Estados Unidos, segundo um advogado que está lidando com a questão do status do ex-presidente. Ele também tem feito palestras para a comunidade brasileira em Orlando e Miami. Recentemente, viajou também aos estados de Oklahoma e Tennessee para participar de eventos.
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