Descrição de chapéu Rússia Itamaraty

Brasileira apontada como mãe de suposto espião russo nunca teve filhos, diz família

Certidão de nascimento em nome de Gerhard Wittich tem informações falsas, segundo irmão de Fátima Regina

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Rio de Janeiro

Com inventário e atestado de óbito da irmã em mãos, o eletricista Carlos Monteiro, 59, tenta entender como o nome de Fátima Regina Campos Monteiro, morta em 2002, aparece numa certidão de nascimento como mãe de Gerhard Daniel Campos Wittich, identidade usada por um suposto espião russo no Brasil.

Segundo o documento oficial arquivado no 4º Registro Civil de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro, Fátima deu à luz Wittich em 1986, aos 19 anos, no Hospital Santa Maria. Carlos afirma que as informações ali descritas são falsas.

"Em 1986 ela cursava faculdade na UFF [Universidade Federal Fluminense] e trabalhava comigo em uma agência de viagens que pertencia ao meu pai. Não engravidou. Era uma adolescente bem reclusa, nunca apresentou um namorado para a família", disse.

À esq., Carlos Monteiro segura certidões de óbito e nascimento de Fátima Monteiro; à dir., foto do homem que se identificava como Gerhard Daniel Campos Wittich, apontado como espião russo - Bruna Fantti/Folhapress e Reprodução

A surpresa de Carlos reforça as informações da inteligência do governo da Grécia de que Wittich, empresário estabelecido há ao menos seis anos no Brasil, era, na verdade, um espião russo.

A confecção de certidões de nascimento autênticas por meio de fraudes em cartórios é uma das suspeitas da Polícia Federal sobre como espiões se instalaram no Brasil.

Há indícios de prática semelhante por parte de Serguei Vladimirovitch Tcherkasov, suposto espião russo preso em Brasília e condenado por falsidade ideológica. A PF investiga a prática de corrupção de uma agente cartorária para criar a certidão de nascimento usada por ele com o nome de Victor Muller Ferreira.

Procurado, o 4º RCPN do Rio de Janeiro não respondeu aos questionamentos feitos pelo irmão de Fátima sobre a certidão em nome de Wittich. O documento afirma que ele tinha como pai um estudante austríaco chamado Gregor, à época com 19 anos. Ele teria comparecido ao cartório no dia 23 de outubro de 1986 para registrar o filho, nascido um dia antes.

Fátima também é indicada no papel como uma estudante de 19 anos, idade que de fato tinha naquela data. Os nomes dos pais da mulher também batem com os reais, os mesmos de Carlos. Não há, porém, referência a números de documentos, seja dela ou de Gregor.

Homem de camisa cinza segura dois papéis com aspectos antigos
Carlos Monteiro segura certidões de óbito (esq.) e nascimento (dir.) de Fátima Monteiro - Bruna Fantti/Folhapress

O endereço de Gregor descrito na certidão é o mesmo que a família de Fátima ocupa desde 1982 até hoje na Ilha do Governador. O eletricista, porém, nega que qualquer austríaco tenha vivido ali e afirma ser impossível a irmã ter engravidado sem seu conhecimento.

"Minha irmã sempre trabalhou comigo. Depois, formou-se programadora, passou a dar aulas de informática em um curso na Ilha até os 30 anos, quando começou o tratamento contra o câncer", afirmou.

Em 2002, após a terceira cirurgia, ela não resistiu. "Era madrugada, me ligaram. Em 20 minutos cheguei ao hospital. Ela tinha 35 anos, foi velada na mesa da nossa casa. Depois, conforme pedido dela, seu corpo foi cremado. As cinzas foram jogadas na praia de Grumari", contou.

No atestado de óbito consta que um choque séptico provocado por uma metástase hepática em decorrência de um câncer no estômago foi a causa da morte. Trecho do mesmo documento aponta que ela não deixou filhos.

Carlos foi procurado pela PF por meio de uma ligação telefônica. Segundo seu relato, o agente não quis revelar o motivo da investigação, mas disse apenas que uma pessoa havia sido detida e apresentara uma identidade na qual Fátima constava como mãe —Wittich, porém, está desaparecido desde janeiro.

Na ligação, que durou sete minutos e 15 segundos, Carlos explicou que a irmã nunca havia engravidado ou adotado algum filho. A chamada ocorreu no dia 1º de fevereiro, antes das notícias sobre as suspeitas em relação à atuação de Wittich virem à público na imprensa europeia.

Em fotos pessoais veiculadas por sites gregos, os supostos espiões russos Wittich/Shmyrev e Tsalla/Romanova
Em fotos pessoais veiculadas por sites gregos, o suposto espião russo Gerhard Daniel Campos Wittich - Reprodução

Como a Folha mostrou na terça-feira (4), ele emitiu uma carteira de identidade brasileira em 2016, sendo este seu primeiro registro no país. Ele abriu em 2018 uma empresa de impressão 3D conhecida no mercado carioca, tendo prestado pequenos serviços para as Forças Armadas.

O empresário viajou para a Malásia no início de janeiro para, em tese, fazer um curso de impressão 3D. Depois, não deu mais notícias. Namorada e amigos passaram a fazer uma campanha na internet em busca de informações. O Itamaraty foi acionado e confirmou que um homem usando o nome do empresário se hospedou no hotel indicado. Contudo, depois disso, não deixou mais rastros.

De acordo com as informações publicadas pelo jornal The Guardian, ele é casado com Irina Romanova Chmirev, também identificada como uma espiã russa que atuava na Grécia sob o nome de Maria Tsallas. Ambos desapareceram no início do ano de seus locais de moradia, deixando para trás namorados, amigos e funcionários que fizeram e contrataram durante o período em que viveram nesses locais.

Ele é o terceiro de uma onda de supostos espiões russos que usaram identidades brasileiras e foram identificados por agências de inteligência europeias. Além de Tcherkasov, há indícios também contra Mikhail Mikhusin, que se apresentava como um brasileiro chamado José Assis Giammaria. Ele foi preso na Noruega.

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