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Eleito não transformará modelo que dura 60 anos no Paraguai, diz Efraín Alegre

Na disputa à Presidência no pleito do próximo dia 30, candidato admite que oposição precisa de projeto a longo prazo

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Buenos Aires

Sempre em tom moderado, Efraín Alegre repete as palavras "acordo" e "consenso" 30 vezes em pouco mais de 20 minutos de entrevista à Folha. É a grande aposta do candidato para chegar à Presidência do Paraguai nas eleições do próximo dia 30. Mas também para permanecer nela.

Ele admite que, mesmo se ganhar, o próximo "mandato não vai transformar um modelo que já dura mais de 60 anos" no país vizinho e afirma que a grande coalizão que lidera, com centro-direita, centro-esquerda e esquerda, vai precisar de um projeto de longo prazo para realizar mudanças.

Efraín Alegre, 60, candidato da oposição à Presidência do Paraguai durante entrevista na cidade de Lambare
Efraín Alegre, 60, candidato da oposição à Presidência do Paraguai durante entrevista na cidade de Lambare - Cesar Olmedo - 17.abr.23/Reuters

Presidente do Partido Liberal Autêntico, ele disputa o cargo com o conservador Santiago Peña, do Colorado. A sigla adversária comanda o país desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), com exceção da gestão do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo (2008-2012), que sofreu um impeachment.

Alegre já tentou chegar à Presidência em outras duas oportunidades, em 2013 e 2018, e seguia no segundo lugar em pesquisas divulgadas até o início de março. Mas nas últimas semanas a disputa ficou mais acirrada, e uma vitória da oposição agora é vista como uma possibilidade real.

Por vídeo, Alegre também disse que o Paraguai não tem capacidade de frear o crime organizado na fronteira e pediu a ajuda de Brasil e Argentina. Sinalizou ainda concordância com o presidente Lula (PT) na aproximação com a China e repetiu que pode romper relações com Taiwan.

Por outro lado, indicou que pode ser uma pedra no sapato na renegociação da divisão da energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu, que deve ocorrer neste ano, após as eleições. "O modelo atual não convém ao Paraguai."

Algumas pesquisas indicam que o senhor passou na frente numericamente nesta reta final. Na sua visão, por que isso aconteceu? Porque fizemos um grande acordo com mais de 40 organizações que estão unidas com um propósito claro: promover a mudança. Não há muitos projetos… [O que está em jogo] é a continuidade representada por Peña com Horacio Cartes [ex-presidente e líder do partido Colorado, acusado de ser chefe de uma máfia internacional] ou a mudança representada pela coalizão Concertación Nacional [acordo nacional, em português]. Somos os que têm as condições de ganhar, então naturalmente isso vai se consolidando para o eleitor à medida que vamos chegando à decisão.

Quais semelhanças e diferenças o senhor vê entre a sua coalizão e a de Fernando Lugo em 2008? Lugo fez uma aliança que terminou no dia seguinte às eleições. A Concertación Nacional é o acordo mais importante da nossa história política e permanecerá no próximo governo. A experiência de Lugo foi boa para ganhar as eleições e governar, mas não houve a capacidade de consolidar o acordo e pensar depois do período de governo, preparando a sucessão para que a coalizão ficasse e realizasse as mudanças que o país necessita. Cinco anos não vão transformar esse modelo que já dura mais de 60 no nosso país. Precisamos de um projeto de 15, 20 anos para pensar num Paraguai diferente.

Mesmo com esse acordo, analistas dizem que seu segundo desafio, caso vença, seria governar, dado o grande aparato colorado no Legislativo e no Judiciário. Depois de ganhar, temos que convocar todos os setores, os empresários, os trabalhadores, o campo, a imprensa, os partidos, para estabelecer quais são as políticas que o Paraguai precisa com urgência. Somos um país competitivo na região, atrativo para investimentos. Mas temos também algumas ameaças, que só vamos conseguir resolver com um acordo amplo. A mais importante delas é a corrupção e a presença do crime organizado. É esse dinheiro que compra juízes, promotores e parlamentares, como dizem os EUA [o governo americano classificou Cartes e o ex-vice-presidente Hugo Velázquez de "significativamente corruptos"]. É esse dinheiro que coloca nossa democracia em perigo. Precisamos de uma institucionalidade firme.

O senhor promete uma grande reforma das instituições. Como pretende fazer isso na prática? Temos que fazer um grande acordo. Hoje a grande questão é a seleção dos magistrados, fortemente vinculada ao controle desse dinheiro sujo. Essa seleção tem que estar baseada na capacidade e na idoneidade dos candidatos, como em outros países. Quanto às outras instituições, o fundamental é a vontade real da Presidência. Não vão combater a corrupção os que a criaram. Por outro lado, não se pode esquecer que o crime organizado internacional é internacional, então o combate também deve ser internacional. Precisamos de políticas com Brasil e Argentina. Sozinhos com certeza não conseguiremos. Do lado de cá, necessitamos recuperar nossas Forças Armadas, hoje debilitadas, o que faz com que nossas fronteiras sejam permeáveis por água e por terra. E isso obviamente não é uma casualidade, é parte desse sistema.

O senhor defende uma mudança radical na política energética do país e vê a relação com o Brasil na hidrelétrica de Itaipu como desvantajosa para o Paraguai. Que mudanças pretende fazer? Em todo esse tempo, tivemos uma política energética rentista, pensando no que poderíamos obter cedendo essa energia. Mas esse modelo não convém ao Paraguai. O que convém é usar essa energia, por isso nossa política vai ser desenvolvimentista. Isso leva tempo, seguiremos tendo excedentes, e é importante que negociemos por um preço justo. Há conversas já avançadas, acreditamos que vamos conseguir um entendimento com o Brasil. Há um acordo muito importante já firmado entre Lula e Lugo [em 2009], no qual vários desses temas já se resolveram, portanto é questão de buscar formas de implementá-lo.

Como vê a recente aproximação entre Brasil e China? Todos os países do mundo buscam proteger os grandes interesses nacionais, econômicos. Por isso também estamos analisando nossas relações com Taiwan [o Paraguai é o único país na América do Sul que mantém relações com a ilha], que nos fazem perder oportunidades de ter alguns acordos com a China. Isso significa uma renúncia importante, e não vemos Taiwan fazendo o mesmo. Certamente também há, digamos, um aspecto da política internacional das nossas alianças, mas vamos tomar a decisão nesse contexto [dos interesses econômicos].

Paraguayo Cubas, em terceiro lugar nas pesquisas, disse que os brasileiros que vivem no Paraguai são delinquentes e invasores. O que pensa sobre isso? Vemos o Brasil como sócio e aliado. As maquilas [áreas sob regime de incentivo fiscal] se desenvolvem basicamente olhando para o mercado brasileiro, e ainda há imensa oportunidade de crescer. Já escutei declarações inoportunas de vários candidatos. Como Estado, talvez haja alguns questionamentos por uma presença importante de brasileiros na questão da terra. Temos que fortalecer os paraguaios, mas não em detrimento de nenhum país ou estrangeiro. As normas são claras, e todos os estrangeiros que cumprem nossa lei são bem-vindos.


RAIO-X | EFRAÍN ALEGRE, 60

Nascido em San Juan Bautista, é advogado pela Universidade Católica de Nossa Senhora de Assunção. Foi deputado federal (1998-2008), ministro de Obras Públicas e Comunicações do governo de Fernando Lugo (2008-2011) e há sete anos preside o Partido Liberal Autêntico do Paraguai.

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