Descrição de chapéu Deutsche Welle

Israel completa 75 anos de fundação mergulhado em nova crise

Comemorações de 2023 têm como pano de fundo protestos em massa contra governo de Binyamin Netanyahu

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Lisa Hänel
DW

A comemoração da fundação do Estado de Israel começa tradicionalmente com 12 tochas sendo acesas no Monte Herzl, em Jerusalém. Neste ano, porém, as celebrações prometem ser ofuscadas por protestos dos israelenses contra a reforma judicial promovida pelo governo. Mais uma crise em um país marcado por elas.

Escoteiros de acendem tochas em cerimônia por do Yom HaZikaron, no cemitério militar no Monte Herzl, em Jerusalém - Menahem Kahana/AFP

Israel, aliás, já nasceu em crise. Quando David Ben-Gurion proclamou o Estado de Israel em 14 de maio de 1948 —data que, segundo o calendário judaico, cai nesta terça-feira (25)—, os habitantes judeus da Terra Santa já travavam há meses uma guerra civil com seus vizinhos árabes.

Na época, muitos judeus viram na proclamação de um Estado próprio uma compensação divina pelo Holocausto, ocorrido apenas três anos antes, em 1945. "Foi como uma redenção, e não só em termos de uma narrativa oficial, mas também para a maioria dos israelenses. Ou seja, a fundação do Estado representou uma espécie de ato teológico de libertação", diz o sociólogo israelense Natan Sznaider.

Seis milhões de judeus foram assassinados de forma brutal no Holocausto: agrupados em guetos, deixados à míngua para morrer de fome, baleados, mortos em campos de concentração e extermínio alemães. Um genocídio sem precedentes.

O crime até então inimaginável abriu, no entanto, uma histórica janela de oportunidade. Em 1947, a Assembleia-Geral da ONU estabeleceu —com 13 votos contrários— um plano de divisão do território da Palestina, até então sob controle britânico.

O plano previa a criação de um Estado judeu e outro árabe. Jerusalém estaria sob um regime internacional de exceção. O lado árabe recusou a proposta, enquanto os representantes judeus concordaram com ela. Seguiu-se então uma guerra.

Utopia do Estado próprio

Embora o Holocausto tenha sido um gatilho para a criação efetiva de Israel, a ideia de uma pátria judaica é muito mais antiga. O expoente mais famoso dessa ideologia é Theodor Herzl —que não foi o sionista original, mas o primeiro a buscar tirar a ideia do papel. Em 1896, percebendo uma atmosfera de crescente antissemitismo, sobretudo na França, Herzl escreveu o livro "Der Judenstaat" (o Estado judaico, em português), em que descreve estratégias bastante pragmáticas de formação de um Estado.

A princípio, Herzl também explorou alternativas para a Palestina, mas outros representantes do movimento sionista logo as negaram.

Integrantes do grupo como Ascher Hirsch Ginsberg, também conhecido pelo pseudônimo Achad Ha'am, um jornalista nascido na Ucrânia, queriam reviver a língua hebraica. Outros lembravam a conexão milenar entre a cultura judaica e a Terra Santa.

"Os judeus são, na visão sionista, antes de tudo um povo, uma nação, não uma religião. Assim como outras nações, eles merecem uma pátria soberana", afirma o historiador Michael Brenner, diretor do Centro de Estudos de Israel da American University, em Washington.

Nos anos seguintes, o movimento sionista ganhou apoio da sociedade. Em termos diplomáticos, um grande avanço veio em 1917, com a Declaração de Balfour, na qual os britânicos prometeram lutar por uma "casa nacional para o povo judeu na Palestina".

A declaração foi, entretanto, deliberadamente vaga —os mesmos britânicos haviam dado aos árabes a esperança de um Estado próprio e, como controlavam a área, acabaram contribuindo para as tensões.

Nessa mesma época, a região testemunhou uma série de ondas de imigração judaica, muitas vezes em reação a perseguições antissemitas na Europa. Em 1909, foi fundada a cidade de Tel Aviv, às margens do mar Mediterrâneo.

Os britânicos tentaram diversas vezes impedir esse fluxo —mesmo depois que os nazistas chegaram ao poder na Alemanha, quando a angústia dos judeus atingiu seu ápice.

Um país, dois povos

Parcelas significativas do movimento sionista ignoraram o fato de que já havia vilarejos e cidades árabes, e tinham a ilusão de que boa parte daquele território estava vazio. "O centro da questão é que ambos os povos têm uma reivindicação sobre uma mesma terra, e ambos a justificam historicamente", diz Brenner.

Após a proclamação do Estado de Israel, cinco nações árabes declararam guerra ao país recém-fundado. Israel venceu. Como resultado do conflito, cerca de 700 mil palestinos fugiram ou foram expulsos, consagrando o que ficou conhecido pelos palestinos como Nakba, ou catástrofe.

Nos anos 1980, surgiu em Israel uma nova geração de historiadores, que, segundo Brenner, "questionou as 'vacas sagradas', estas supostas verdades essenciais que haviam moldado a narrativa oficial de Israel".

Estas incluíam, por exemplo, a reprodução do mito de Davi contra Golias nos registros acerca da Guerra da Independência de 1948 —ou seja, a ideia de que uma Israel enfraquecida havia se deparado com grandes Exércitos árabes. Eles também passaram a abordar as consequências da criação de Israel para os palestinos, tema que durante décadas recebeu pouca atenção.

De volta à ideia original

Todo esse contexto dificilmente será lembrado no país este ano, em que abundam conflitos internos. Há semanas, israelenses saem às ruas para se manifestar contra a reforma judicial que, promovida pelo governo de Binyamin Netanyahu, põe em risco o equilíbrio dos Três Poderes na nação. Embora a reforma tenha sido suspensa temporariamente, os protestos não diminuíram.

"Será provavelmente o Dia da Independência mais político que já houve na história de Israel", diz Sznaider, acrescentando que provavelmente haverá duas comemorações diferentes da data ao mesmo tempo.

Manifestantes consideravam realizar uma cerimônia com tochas em Tel Aviv como alternativa ao evento oficial em Jerusalém —uma forma de indicar que eles não se sentem representados pelo atual governo, religioso e conservador, e que buscam um futuro diferente para o país.

Ironicamente, ambos os lados veem a si mesmos como herdeiros dos fundadores de Israel. Sempre houve sionistas religiosos entre os sionistas. E os atuais colonos nas áreas ocupadas na Cisjordânia também se veem como sucessores daqueles que criaram os primeiros assentamentos no território nos anos 1920.

"Eles tentam se apresentar como uma espécie de 'super sionistas' que tentam finalizar os planos de seus antecessores", diz Brenner, acrescentando que, ironicamente, o movimento original era secular, esquerdista e de orientação social-democrata.

Aniversário sob tensões internas

Os manifestantes, é claro, veem as coisas de uma forma completamente diferente. Durante os atos, eles fazem menções conscientes a ideias fundadoras do Estado judeu, brandindo a sua bandeira ou evocando a Declaração de Independência

Manifestantes em protesto contra reforma judicial promovida pelo governo em Tel Aviv durante comemorações de 75 anos de Israel - Jack Guez/AFP

Eles insistem nas origens democráticas do país, um país livre para todos os seus cidadãos, onde reina o Estado de Direito. Ou, como disse o historiador Tom Segev em entrevista à revista Der Spiegel: "David Ben-Gurion provavelmente estaria fora de si" se soubesse em que pé está a sociedade israelense hoje.

Para Brenner, as antigas tensões que sempre existiram dentro do movimento sionista voltaram a tumultuar o país. "Eu diria que muitas das divisões da sociedade israelense estão dadas desde o início. Talvez seja um pequeno milagre que elas tenham levado 75 anos para irromper tão fortemente."

Em todos os protestos, dezenas de milhares de manifestantes cantam o Hatikva, o hino israelense. "Um verso do hino nacional israelense fala em ser um povo livre em sua própria terra", diz Sznaider. "Atualmente, porém, há duas diferentes definições disso".

Setenta e cinco anos após sua fundação, Israel ainda está em busca da própria identidade.

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