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Por que ter guardas armados em escolas não impediu massacres nos EUA

Há pouca evidência de que ter policiais armados nas instituições ou usar câmeras reduzam massacres

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Mariana Sanches
Washington | BBC News Brasil

Os Estados Unidos vivem um paradoxo: o país nunca investiu tanto em medidas para aumentar a segurança escolar. E, ainda assim, nunca viu tantos massacres em escolas e universidades como nos últimos anos.

E é desta contradição que podem surgir respostas para uma das mais acaloradas discussões do atual debate público brasileiro: como prevenir e conter massacres escolares, que tem se intensificado no país?

Alunos são conduzidos à sala de aula por professora de escola em Nova York - Michael Loccisano - 7.mar.22/Getty Images via AFP

Desde setembro de 2022, o Brasil testemunhou ao menos sete episódios violentos em escolas com repercussão na imprensa nacional. O caso mais recente aconteceu nesta quarta (5) em Blumenau (SC), quando um homem invadiu uma creche e matou 4 crianças com uma machadinha.

No mesmo dia do massacre, o ministro da Justiça e Segurança Pública anunciou a liberação de R$150 milhões para ampliar a atuação das rondas escolares — grupos de policiais militares ou guardas civis que fazem policiamento ostensivo nas portas e nos arredores de unidades escolares e creches.

Nesta segunda-feira (10), o governador Jorginho Mello (PL) anunciou que todas as 1.053 escolas estaduais de Santa Catarina terão ao menos um policial armado em até 60 dias. A iniciativa custará R$ 70 milhões ao ano e vai envolver policiais militares que estão na ativa, além de, possivelmente, aposentados.

Em São Paulo, que viveu drama semelhante uma semana antes, a discussão foi pelo mesmo caminho.

Aliado do governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), o deputado Guto Zacarias (União Brasil) apresentou um projeto de lei que autoriza policiais militares de folga a atuarem, de forma remunerada, como seguranças armados em escolas estaduais. Na justificativa para a medida, Zacarias cita o caso de um aluno de 13 anos que matou a professora a facadas e feriu outras três educadoras e um aluno em um ataque a uma escola na zona oeste de São Paulo, no final de março.

Mas o exemplo americano dá pistas sobre a eficácia e os limites deste tipo de abordagem para lidar com o problema.

Especialistas apontam que há pouca evidência de que novas tecnologias de segurança possam impedir ou diminuir massacres. O aumento dos procedimentos de segurança na escola, segundo eles, podem resultar em consequências positivas para lidar com o problema, mas não previnem os ataques. Entenda:

O caso americano

Desde abril de 1999, quando dois estudantes abriram fogo contra colegas na Columbine High School (no Colorado), em um episódio considerado o marco inicial de uma tendência de violência escolar no país (e no mundo), foram ao menos 377 ataques do tipo nos EUA, de acordo com um levantamento feito pelo jornal The Washington Post, que rastreia os casos na ausência de dados oficiais do assunto.

Em nenhum ano, porém, houve mais ataques do que em 2022: foram 47 no total. E o pico anterior não estava distante: aconteceu em 2021, com 42 casos.

Contraditoriamente, os ataques em escolas seguem em alta, apesar de um investimento contínuo bilionário das escolas, dos Estados e do governo federal para tentar contê-los.

Em 2021, as unidades educacionais americanas gastaram a cifra recorde de U$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 15,6 bilhões) com sistemas e serviços de vigilância e proteção, segundo estimativas da consultoria de mercado tecnológico OMDIA. O valor representa um crescimento de 14% no total de gastos se comparado ao ano de 2017, o dado anterior disponível. No ano passado, o Congresso americano aprovou um pacote de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão) para ajudar as instituições a se equiparem contra violência armada.

A aplicação desses recursos é visível no cotidiano da maior parte dos estudantes dos EUA — câmeras, interfones e até detectores de metais se tornaram artigos comuns nas escolas.

Segundo os dados do Centro Nacional de Estatísticas da Educação do governo dos EUA, enquanto entre 2017 e 2018, apenas metade das unidades educacionais tinha controle total ao acesso às dependências da escola, incluindo quadras e playgrounds, agora dois terços delas possuem sistemas de controle de entrada e saída. Já a taxa de escolas com monitoramento via câmeras ultrapassa os 90%.

Mais do que isso: 43% por cento das escolas públicas possuem o chamado "botão de pânico", uma espécie de alarme acionado silenciosamente de algum ponto da escola que se conecta diretamente com a polícia em caso de emergência. Há 5 anos, eram 29%.

Atualmente, 78% das escolas têm salas equipadas com fechaduras capazes de permitir trancamento interno — um aumento de 20% em relação aos dados do ano letivo entre 2017 e 2018. E 65% tem funcionários exclusivamente dedicados à segurança — em 51% das escolas, esses agentes trabalham munidos de armas de fogo.

Mas por que tudo isso não reduziu ataques?

O que explica então que, com um aumento nas medidas de segurança, não se veja uma redução no número de casos de massacres escolares?

De acordo com Justin Heinze, professor de saúde educacional da Universidade de Michigan e diretor do Centro Nacional de Segurança Escolar, a princípio, o aumento dos procedimentos de segurança na escola podem resultar em consequências positivas para lidar com o problema, mas estão longe de serem condições suficientes para prevenir os ataques.

"Não há hoje grandes evidências científicas para apoiar a ideia de que essas medidas tenham impacto definitivo na prevenção de massacres. A gente não desencoraja a adoção delas — até porque costumam ter impacto positivo em outras áreas da vida escolar, mas relembra à comunidade que esse não pode ser o único caminho para tentar combater o problema dos ataques", diz Heinze à BBC News Brasil.

Em 2016, um estudo da Johns Hopkins University concluiu o mesmo: há pouca evidência de que novas tecnologias de segurança possam impedir ou diminuir massacres.

Um exemplo é o que se observa com o aumento do policiamento em escolas — que tem sido adotado nos EUA e que pode passar a ser uma realidade mais comum também no Brasil. Embora alguns estudos sugiram que ter agentes armados na escola pode desencorajar brigas entre grupos de adolescentes, o impacto da medida sobre a ocorrência e a letalidade de massacres é discutível.

Uma pesquisa publicada em 2019 na revista científica Journal of Adolescent Health, que revisou 179 episódios de tiroteios em escolas americanas entre 1999 e 2018, concluiu que manter guardas armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres.

E o aumento desse tipo de segurança pode embutir seus próprios riscos: outro estudo financiado pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA e publicado em 2021 concluiu — depois de avaliar todos os casos entre 1980 e 2019 — que o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados.

A presença de agentes armados no ambiente escolar também estaria ligada ao aumento do absenteísmo estudantil, especialmente entre alunos de camadas mais vulneráveis da população.

Ambiente escolar que permita denúncias

Os EUA garantem acesso particularmente fácil a armas de fogo para a população em geral — são quase 400 milhões de armas entre pouco mais de 330 milhões de pessoas. Nessas condições, é estatisticamente mais provável que um adolescente ou um jovem americano ponha as mãos em uma arma de fogo com mais facilidade do que um brasileiro.

A dificuldade de acesso a armas no Brasil, segundo os investigadores dos casos recentes, ajudam a explicar porque os criminosos se valeram de instrumentos como bestas ou facas para seus ataques.

Segundo Heinze, a arma usada no crime terá impacto no resultado final da ação: com uma arma de fogo é possível vitimar muito mais gente em muito menos tempo. Mas a mecânica dos ataques costuma ser muito semelhante. E por isso algumas estratégias que têm demonstrado sucesso nas escolas americanas podem também funcionar para o Brasil.

Uma delas é criar canais para denúncias — anônimas ou não — dos estudantes, já que se estima que em 4 de cada 5 episódios existissem potenciais delatores.

"A grande maioria dos massacres em escolas tinha em sua história alguém que conhecia de antemão os planos do atirador, seja porque o viu escrito em algum lugar, seja porque o próprio autor compartilhou informações. Se esses alunos contarem o que sabem, abre-se a oportunidade de intervir e impedir a violência", diz Heinze.

"Isso só é possível se a escola desenvolver um ambiente em que os alunos confiem em seus professores e se sintam à vontade para entrar em contato com eles ou com alguém da administração caso saibam de algo."

A segunda é criar as chamadas "equipes de avaliação de ameaças", grupos escolares multidisciplinares que são responsáveis por receber as denúncias, verificar a veracidade delas e criar planos para mitigar a violência e ajudar o aluno com comportamento potencialmente violento antes que qualquer ato aconteça. Atualmente, 9 dos 50 Estados americanos adotam essa política, entre eles a Flórida e o Texas.

"Esses são os programas com as evidências mais fortes de que funcionam para impedir massacres", afirma Heinze.

Esses programas conseguem estimar desde o potencial de agressão do estudante, avaliando seu acesso a armas, como acessar suas condições de saúde mental e indicar tratamentos de saúde.

Para Heinze, esse, aliás, é um ponto especialmente sensível no pós-pandemia de covid-19.

Depois de uma mínima histórica em 2020 nos massacres, graças às escolas fechadas, os casos voltaram em um novo patamar nos EUA. Como lá, o isolamento, o uso intensivo de redes sociais e a perda do contato físico com os pares também aconteceu no Brasil e pode ser outro elemento a explicar o salto nos episódios.


Este texto foi originalmente publicado aqui.

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