Doações europeias de caças à Ucrânia pressionam EUA a liberar jatos

Casa Branca estaria relutante em enviar aviões porque ação absorveria parte considerável das verbas de guerra

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Lara Jakes Eric Schmitt
The New York Times

Um esforço novo do Reino Unido e da Holanda para prover a Ucrânia de caças F-16 expôs a divergência entre aliados ocidentais sobre o envio de armas poderosas a Kiev, novamente colocando os Estados Unidos, relutantes, em posição contrária a de alguns de seus parceiros mais próximos.

Vários aliados europeus estão dispostos a ceder seus caças F-16 à Ucrânia. Mas a administração Biden, que precisa aprovar qualquer transferência de aviões de fabricação americana, ainda não está convencida de que Kiev necessita dos jatos, fundamentais para os arsenais militares modernos.

Caças F-16 em exercício da Otan na Polônia
Caças F-16 em exercício da Otan na Polônia - Lukasz Glowala - 21.mar.23/Reuters

O ceticismo de Washington é tão grande que os pilotos ucranianos nem sequer estão autorizados a treinar nos F-16 pertencentes a países europeus, de acordo com um funcionário ucraniano de alto nível que pediu anonimato para falar sobre a questão diplomática delicada.

A relutância dos EUA em permitir o treinamento dos pilotos ucranianos limitará uma nova coalizão europeia proposta para ajudar a Ucrânia a obter e a operar caças F-16, seja no conflito atual ou para proteger seu país contra quaisquer agressões futuras de Moscou.

"O que é realmente importante aqui é assinalar à Rússia que nós, como nações, não temos objeção filosófica ou de princípio para fornecer à Ucrânia as capacidades das quais ela necessita, dependendo do que está acontecendo no campo de batalha", disse o ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, na quarta-feira (17). "Cabe à Casa Branca decidir se ela quer liberar essa tecnologia."

Em Washington, um funcionário sênior disse que a administração Biden está relutante em enviar seus próprios F-16 à Ucrânia porque o preço multimilionário do avião absorveria uma parte grande das verbas de guerra, que já estão diminuindo.

Em vez disso, afirmou, a administração está mais interessada em acelerar o envio de outras armas para uma contraofensiva contra a Rússia, destacando que, de qualquer maneira, os caças F-16 não chegariam ao campo de batalha em poucos meses –ou seja, só seriam usados depois de iniciada a contraofensiva.

O funcionário também exigiu anonimato para falar, assim como fizeram quatro outros funcionários ocidentais seniores em Washington e na Europa entrevistados para esta reportagem.

Não é a primeira vez que a administração Biden resiste a pressões de aliados para enviar mais armas à Ucrânia. Em cada caso a administração acabou recuando, permitindo a transferência de poderosos lançadores de mísseis Himars, tanques Abrams e mísseis de defesa aérea Patriot.

E o funcionário americano não excluiu a possibilidade de a administração Biden emitir licenças de reexportação às Forças Armadas europeias, permitindo que transfiram seus F-16s à Ucrânia. Na terça, depois de Reino Unido e Holanda terem anunciado a chamada coalizão de caças, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o chanceler holandês, Wopke Hoekstra, falaram ao telefone sobre o conflito.

Hoekstra disse na quarta que eles ainda não haviam alcançado uma solução, em discussão descrita por outro diplomata europeu como demorada e difícil. "Quando estivermos prontos para atravessar essa ponte e comunicar o fato, nós o faremos", disse o chanceler holandês.

A Holanda é um de quatro países europeus que, segundo o alto funcionário ucraniano, já assinalaram discretamente estarem prontos para enviar F-16s à Ucrânia. Sua frota, somada às da Dinamarca e da Bélgica, chega a pelo menos 125 caças prontos para entrar em combate, segundo o think tank britânico Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IIEE), que avalia arsenais militares globais.

Um representante ucraniano disse que a Noruega também está disposta a contribuir. Ainda segundo o funcionário, por enquanto, a Ucrânia está pedindo de 24 a 36 caças F-16.

No início desta semana, o premiê britânico, Rishi Sunak, disse que o Reino Unido vai começar a treinar pilotos ucranianos a partir do verão no hemisfério norte, como parte de um plano "para fornecer jatos F-16 em conjunto com outros países". Seu anúncio, que acompanhou um novo pacote de ajuda militar, foi feito durante visita a Londres do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Mas sem a aprovação explícita dos EUA, o treinamento deverá ser limitado ao que o oficial ucraniano descreveu como linguagem técnica e lições táticas dadas aos pilotos, que não tocariam em um F-16.

Com radar potente capaz de localizar alvos a centenas de quilômetros e mísseis modernos, o F-16 contém sistemas restritos que os Estados Unidos não querem que caiam em mãos hostis ou que sejam reproduzidos. O caça faz parte da classe de armas das quais mesmo países aliados precisam receber autorização do Pentágono para discutir a tecnologia com parceiros externos, como a Ucrânia.

Douglas Barrie, especialista militar do IIEE, disse que seria surpreendente se o governo Biden não tivesse dado "ao menos algum sinal tácito" de aprovação do plano europeu para enviar F-16s e treinar pilotos.

Ele disse que os jatos podem exercer um papel-chave na defesa da Ucrânia, incluindo "para continuar a negar aos russos o tipo de superioridade aérea que eles não conseguiram estabelecer até agora". A possibilidade de os F-16 serem usados para atacar posições russas dependerá do tipo de pacotes específicos de armas com que os aliados ocidentais acordarem equipá-los.

Mas autoridades ucranianas dizem que estão mais preocupadas com um problema diferente –a possibilidade de que o apoio ocidental diminua à medida que a fadiga da guerra se instala e os recursos secam. Eles estão preocupados especialmente com os Estados Unidos, uma vez que alguns republicanos, entre os quais candidatos na eleição presidencial de 2024, já estão questionando o apoio a Kiev.

Esse receio também foi manifestado por um grupo de 14 parlamentares democratas e republicanos que, na quarta-feira, exortaram Biden a liberar o acesso aos F-16 sem demora.

"Como pudemos ver com a hesitação inicial de nossos aliados em fornecer tanques à Ucrânia, a liderança dos EUA é imprescindível para munir Kiev de recursos adicionais e novas capacidades", escreveram os parlamentares em carta à Casa Branca, coordenada pelo deputado democrata Jared Golden, do Maine.

"O fornecimento de F-16 à Ucrânia é essencial para encerrar esta guerra em termos justos", escreveram.

Tradução de Clara Allain 

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