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Presidente do Equador dissolve Parlamento e convoca eleições para evitar impeachment

Constituição do país permite que Guillermo Lasso tome a medida; ele era alvo de processo por acusação de corrupção

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Buenos Aires

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, dissolveu nesta quarta-feira (17) a Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição, e convocou novas eleições presidenciais e legislativas para interromper um processo de impeachment contra ele, motivado por acusações de desvio de dinheiro.

A medida está prevista na Constituição do país, mas nunca havia sido utilizada antes. Ela permite que o presidente governe por decreto até que um novo pleito seja realizado, em até três meses —na prática, de acordo com analistas, a posse do novo presidente pode demorar até oito meses devido aos ritos eleitorais.

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, presta depoimento à Assembleia Nacional, em Quito
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, presta depoimento à Assembleia Nacional, em Quito - Karen Toro - 16.mai.23/Reuters

A ferramenta, chamada de "morte cruzada", pode ser acionada em três casos: se o Legislativo assumir funções que não lhe correspondam, se obstruir o governo "de forma reiterada e injustificada" ou devido a uma grave crise política e comoção interna. Lasso cita esse último motivo no decreto desta quarta.

"Notifique-se o Conselho Nacional Eleitoral para que convoque eleições dentro de sete dias", diz o documento, que também solicita a notificação do Parlamento, unicameral, ressaltando que não há direito a reparação ou indenização pela perda dos cargos.

"Equatorianas e equatorianos: esta é a melhor decisão para dar uma saída constitucional à crise política e comoção interna que o Equador está enfrentando e devolver ao povo equatoriano o poder de decidir seu futuro nas próximas eleições", publicou o presidente, um ex-banqueiro de direita de 67 anos, no Twitter.

Seu governo já vinha indicando a possibilidade de publicar o decreto, como afirmou o secretário jurídico da Presidência, Juan Pablo Ortiz, na segunda (15). O próximo presidente eleito assumirá pelos cerca de 18 meses restantes do mandato, até as eleições de 2025 —Lasso, que é reprovado por 80% da população, ainda não indicou se vai concorrer.

Pela manhã, militares cercaram o prédio da Assembleia Nacional para impedir a entrada de legisladores ou funcionários. Logo depois, as Forças Armadas e a Polícia Nacional divulgaram um vídeo nas redes sociais dizendo que "manterão inalterável a posição de absoluto respeito à Constituição e às leis".

Forças policiais cercam a Assembleia Nacional do Equador, em Quito, após o presidente Guillermo Lasso dissolver o Parlamento - Rodrigo Buendia/AFP

"A posição da Assembleia Nacional de processar politicamente o primeiro mandatário se baseou em uma disposição da Carta fundamental. Da mesma maneira, a decisão do senhor presidente da República de dissolver a Assembleia Nacional se fundamenta no artigo 148 da Constituição, portanto [...] deve ser respeitada por todos os cidadãos", disse o porta-voz militar.

Assim, a situação é diferente da ocorrida no Peru, em dezembro, quando o então presidente Pedro Castillo tentou dar um golpe e foi preso. A dissolução do Congresso também é um dispositivo válido no país, mas exige que o Parlamento rejeite ao menos dois votos de confiança do governo, o que não aconteceu.

No Equador, grande parte da oposição recebeu a decisão de "morte cruzada" com tranquilidade e deve acatá-la. Grupos como o Partido Social Cristão (PSC), porém, indicaram que vão pedir a anulação do decreto à Corte Constitucional, porque consideram que não existe uma grave crise política ou comoção interna no país, como alega Lasso.

Essa Corte é um órgão autônomo do país, atualmente formado por cinco juízas e quatro juízes constitucionais —eles foram selecionados pelo Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, que por sua vez foram designados pelo ex-presidente Lenín Moreno, de esquerda. O tribunal terá grandes poderes agora porque, sem o Legislativo, é o único que pode barrar decretos econômicos de Lasso.

A abertura do processo de impeachment também passou pelos juízes. Na semana passada, a Assembleia votou no mesmo sentido, e o julgamento se iniciou nesta terça (16). Foi a segunda vez em menos de um ano que Lasso passou por um processo político. Em junho de 2022, o procedimento terminou a 12 votos de sua destituição e ocorreu em meio a violentos protestos indígenas contra o alto custo de vida.

Além das dificuldades na governabilidade e da situação econômica, a gestão do presidente vem enfrentando uma grave crise na segurança. A taxa de homicídios no país quase dobrou de 2021 para 2022, passando de 14 para 25 mortes a cada 100 mil habitantes, e mais de 420 detentos foram mortos em massacres em presídios, em razão de brigas de quadrilhas de narcotráfico.

Diante da escalada de crimes, Lasso recentemente autorizou o porte de armas por civis e declarou estado de emergência e toque de recolher em algumas regiões, como a cidade portuária de Guayaquil, coração econômico do país e origem da maior parte das drogas no Equador. Foi ali que o presidente nasceu e começou sua carreira política.

Ele ocupou os cargos de presidente-executivo do Banco Guayaquil e governador da província de Guayas antes de se tornar, em 1999, ministro da Economia de Jamil Mahuad, presidente que substituiu a moeda nacional pelo dólar. Lasso é considerado um liberal na economia e conservador nos costumes.

No processo de impeachment, o presidente foi acusado de peculato, ou seja, desvio de dinheiro público, por supostamente ter mantido contratos de transportes de petróleo que geraram prejuízos milionários. Ele nega as acusações, diz que os acordos foram firmados antes de assumir o poder e alega que a votação não era válida, pois não contou com um relatório da Comissão de Fiscalização, que o isentou do crime.

No primeiro dia de julgamento, dois parlamentares apresentaram a acusação, e o presidente se defendeu diante do plenário. Depois, abriu-se o debate em que os congressistas falariam por até dez minutos cada um, o que poderia durar alguns dias. Terminada essa fase, o presidente da Assembleia convocaria a votação final em até cinco dias. Mas agora todo o processo foi interrompido.

A principal força de oposição contra Lasso é a coalizão Unión por la Esperanza (Unes), que reúne movimentos de centro e esquerda que apoiam o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) —o ex-líder equatoriano vive na Bélgica desde que deixou o poder e foi condenado por corrupção no país, algo que atribui a perseguição política.

A segunda força é o PSC, legenda conservadora que se aliou ao atual presidente nas últimas eleições, mas depois rompeu os laços. A esses grupos se somam integrantes do forte movimento indígena Pachakutik e da Esquerda Democrática, além de outros legisladores independentes.

A Unes e o PSC, sozinhos, concentravam 59 das 137 cadeiras da Assembleia, contra apenas 24 governistas da Bancada del Acuerdo Nacional (BAN). Assim, a chance de Lasso ser afastado era vista como significativa, apesar do clima de incerteza —eram necessários 92 votos.

Se isso ocorresse, seria o segundo impeachment em 44 anos de democracia no Equador. Em 1997, o advogado Abdalá Bucaram foi retirado da cadeira presidencial após apenas seis meses de mandato, sob o argumento de incapacidade mental. Protestos nas ruas também derrubaram presidentes em 2000 e 2005.

Erramos: o texto foi alterado

A lei equatoriana prevê que as novas eleições devem ocorrer em até três meses, não em até seis meses. Na prática, a posse do novo presidente, não o pleito, pode demorar até oito meses.

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