Uruguai e Chile condenam fala de Lula a Maduro sobre criação de 'narrativa' na Venezuela

Lacalle Pou e Boric participam de encontro organizado pelo líder brasileiro com países sul-americanos

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Brasília

Os presidentes de Uruguai e Chile criticaram nesta terça-feira (30) a fala do líder brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), feita no dia anterior, de que havia "narrativas" sobre a situação política da Venezuela.

Luis Lacalle Pou, do Uruguai, se disse surpreso com a declaração do petista no encontro com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro. "Esta reunião [de líderes sul-americanos] foi antecipada, não sei se de forma planejada, por uma bilateral entre Brasil e Venezuela", disse o centro-direitista durante a cúpula organizada por Lula no Palácio do Itamaraty, em Brasília. "Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela."

O uruguaio disse que, em relação ao país caribenho, o pior a ser feito é "tapar o sol com a mão". "Se há tantos grupos no mundo tentando mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados e não haja presos políticos, o pior a fazer é tapar o sol com a mão".

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro de lideranças no Palácio do Itamaraty, em Brasília - Sergio Lima - 30.mai.23/AFP

Na mesma toada, o líder do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, um crítico da ditadura venezuelana, afirmou ter manifestado uma discrepância em relação à declaração de Lula. "Não é uma construção narrativa, é uma realidade", disse Boric a jornalistas, após a primeira etapa da reunião. "É [uma realidade] séria, e tive a oportunidade de vê-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vêm à nossa pátria e que exigem, também, uma posição firme e clara para que os direitos humanos sejam respeitados sempre e em todos lugares, independentemente da cor política do governante de turno".

Mais tarde, Lula se pronunciou sobre as discordâncias, que foram expressadas "no limite da democracia", segundo ele. "Houve muito respeito com a participação do Maduro, inclusive dos companheiros que fizeram as críticas", afirmou. "Eu sempre defendi a ideia de que cada país é soberano para decidir o seu regime político, que tipo de eleição vai ter e para discutir coisas internas."

Maduro, por sua vez, relativizou as falas de seus colegas. "Há presidentes com diversas visões, como vocês sabem", disse. "Não temos problema em sentar, conversar e falar francamente com nenhuma força política, com nenhum presidente, com nenhuma corrente. Um diálogo respeitoso, tolerante e de união na diversidade."

Lula realiza nesta terça uma reunião de líderes sul-americanos na tentativa de criar maior integração na região. No dia anterior, o presidente recebeu Maduro em visita oficial. Na ocasião, disse que as acusações de falta de democracia no país caribenho eram parte de uma "narrativa".

"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você. Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela, voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem é que vai governar esse país", afirmou Lula.

Não é a primeira vez que Lacalle Pou destoa de outros líderes da região, principalmente os que são mais alinhados à esquerda. O presidente uruguaio já disse que "não é necessário ser de esquerda para defender a democracia", contrariando falas do presidente da Argentina, Alberto Fernández, e de Lula. O contexto era a cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), em janeiro, que incluía a participação do líder da ditadura cubana, Miguel Díaz-Canel. Na ocasião, Lacalle Pou afirmou que nem todos ali respeitavam os valores democráticos e que era perigoso fazer da Celac um clube ideológico.

Boric, por sua vez, condena os regimes autoritários tanto na Venezuela quanto na Nicarágua, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Em março do ano passado, à BBC, disse que o chavismo é uma experiência que fracassou, "e a principal demonstração de seu fracasso é a diáspora de 6 milhões de venezuelanos".

Ao assumir a Presidência chilena, não convidou Ortega, Maduro e Díaz-Canel para a cerimônia de posse. Neste ano, seu governo anunciou a concessão de nacionalidade a ex-presos políticos da Nicarágua expatriados, e a chancelaria do país disse que "a defesa da democracia e dos direitos humanos transcende conjunturas políticas e forma parte dos pilares civilizatórios essenciais de uma sociedade".

Em um volume bem mais baixo, o governo da Argentina também expressou preocupações com a situação da Venezuela, mas sem fazer referência às declarações de Lula, um aliado de primeira hora de Fernández.

Na nota divulgada pela chancelaria argentina sobre o encontro do presidente com Maduro, o governo do peronista destacou o trabalho realizado pelo país sobre o "apoio ao diálogo entre os venezuelanos para encontrar uma saída política que garanta a plena vigência da democracia e o respeito aos direitos humanos, contribuindo assim para a recuperação da economia e o bem-estar de sua população".

"Neste sentido, a Argentina propõe que seja acordado um roteiro entre governo e oposição no qual sejam discutidas garantias para o processo eleitoral em 2024", acrescenta o comunicado, que pede ainda a retirada das sanções dos EUA contra a Venezuela, mas deixa clara a preocupação com a política no país.

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