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Quem é Santiago Peña, novo presidente do Paraguai

Líder tem pouca experiência política e é visto como 'protegido' do poderoso Horacio Cartes, acusado de corrupção

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O candidato Santiago Peña venceu a corrida à Presidência do Paraguai neste domingo (30) com ampla vantagem e será o novo líder do país.

Com 100% dos votos processados, Peña, do conservador partido Colorado, venceu seu opositor Efraín Alegre, do partido Liberal Radical Autêntico, com quem estava tecnicamente empatado nas pesquisas de intenção de voto imediatamente anteriores ao pleito.

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Santiago Peña, do partido Colorado, comemora com vitória na eleição presidencial com sua esposa, Leticia Ocampos de Pea, e o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes em Assunção - 30.abr.23/Getty Images

"Obrigado a quem nos deu seus sonhos, confiou neste projeto, depositou suas esperanças para que possamos ser melhores, e vamos ser melhores", disse Peña, que assumirá o cargo no dia 15 de agosto.

"Depois de anos de estagnação econômica, déficit fiscal elevado, taxa de desemprego elevada, aumento da pobreza extrema, [resolver isso] não é só trabalho para uma pessoa ou um partido. Por isso apelo à união e ao consenso, à prosperidade sem exclusões", acrescentou.

No Paraguai, as eleições são definidas em turno único, o voto é obrigatório e a reeleição não é permitida — por isso o atual presidente, Mario Abdo, não pôde concorrer a um novo mandato de cinco anos.

"Parabéns ao povo paraguaio por sua grande participação neste dia de eleição e ao presidente eleito Santiago Peña. Trabalharemos para iniciar uma transição ordenada e transparente que fortaleça nossas instituições e a democracia do país", escreveu Abdo no Twitter.

Quem é Santiago Peña

Peña tem 44 anos e nasceu na capital do país, Assunção.

Até 2015, Peña era um estranho na política nacional. Economista pela Universidade Católica de Assunção, onde lecionou teoria financeira e teoria econômica, ele se mudou para os Estados Unidos para fazer mestrado em administração pública na Universidade de Columbia, em Nova York, em 2001.

Ele integrou a equipe do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Washington em 2009, onde dirigiu a divisão do órgão para a África. "Naqueles anos, o potencial que vi para o meu país de fora gerou um grande impacto em mim", disse ele a repórteres antes das eleições primárias do partido.

Durante uma década, fez parte do Banco Central do Paraguai, primeiro na área de pesquisas econômicas e depois como diretor, mas só começou a atuar na política nacional em 2015.

"Peña é uma pessoa que se apresenta como um tecnocrata, um especialista em economia de alto nível, com estudos no exterior e credenciais que lhe dão força técnica. A questão é se isso pode compensar a falta de capital político", diz Magdalena López, doutora em ciências sociais e coordenadora do Grupo de Estudos Sociais do Paraguai da Universidade de Buenos Aires.

"Peña nasceu do fracasso do projeto de reeleição de Cartes", afirma José Duarte Penayo, doutor em filosofia e filho do ex-presidente colorado Nicanor Duarte Frutos, referindo-se à tentativa frustrada do ex-presidente de 2017 de modificar a Constituição para permitir sua reeleição.

Há seis anos, Peña disse que sentia que era hora de "descer à arena eleitoral para fazer mais" e renunciou a seu cargo Tesouro para se candidatar às eleições internas do partido para a presidência em 2017. Perdeu a disputa para Mario Abdo, que agora substitui na Presidência.

Em 2018, encerrado o governo de Cartes, Peña teve sua primeira experiência no setor privado. Naquele ano, passou a integrar o conselho de administração do Banco Basa, do Grupo Cartes, conglomerado empresarial do ex-presidente que, segundo o próprio Peña, representa 2% do PIB nacional.

Entre seus pontos fortes estão sua experiência na gestão pública e seu esforço para tecer um perfil de público-alvo mais abrangente nos últimos cinco anos.

A relação com o ex-presidente Horacio Cartes

Para alguns, Peña é o "protegido" de Cartes. Para outros, será ele quem protegerá o ex-presidente nos próximos anos. Em seu discurso de comemoração neste domingo (30), Peña dedicou um agradecimento especial a Cartes, no comando do partido Colorado.

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Apoiadores comemoram vitória de Santiago Peña, do partido Colorado, nas eleições à Presidência do Paraguai na capital, Assunção - 30.abr.23/Getty Images

"Sua contribuição, presidente, não se paga senão com a moeda do respeito e da admiração. Obrigado por esta vitória vermelha", disse o presidente eleito.

A situação de seu principal aliado não é fácil. O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos definiu Cartes como "significativamente corrupto" em meados do ano passado.

"Cartes se envolveu em atos de corrupção antes, durante e depois de seu mandato como presidente do Paraguai. A carreira política de Cartes foi baseada em uma mídia corrupta e continua dependendo dela para ter sucesso", diz um comunicado do Departamento de Estado americano de janeiro passado.

As sanções econômicas contra Cartes alteraram o mecanismo de financiamento da última campanha política, em geral baseado na solicitação de empréstimos bancários.

"Claro, saímos em busca de crédito e ninguém quis nos dar devido à situação do nosso presidente [do partido, Horacio Cartes, que assumiu em 10 de janeiro]", disse o congressista colorado Hugo Ramírez ao jornalista Federico Filártiga.

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Santiago Peña é parabenizado pelo ex-presidente paraguaio Horacio Cartes (2013-2018) após vitória na eleição à Presidência - 30.abr.23/Getty Images

Apesar das acusações dos EUA, Peña nunca se afastou de Cartes. "Estamos falando de um ex-presidente que fez da transparência e da boa gestão uma bandeira importante, e estou totalmente convencido de que foi esse o caso", disse o presidente eleito algumas semanas após o anúncio das sanções de Washington.

No entanto, Peña tenta se apresentar como um político livre. "Fui colaborador do governo de Horacio Cartes e posso dizer que em dois anos e meio atuei com total autonomia", chegou a declarar ao jornal ABC Color.

A oposição diz não acreditar que o novo presidente possa governar sem a sombra de Cartes. "Ele é um candidato improvisado, que não tem experiência nem liderança política, é um acidente. Na verdade, ele é o credor de Horacio Cartes", disse Efraín Alegre na campanha que acabou derrotada por Peña.

Para Marcos Pérez Talia, doutor em ciência política e autor do livro "A Mudança dos Partidos Políticos no Paraguai", o exercício do poder será "bicéfalo".

"Diante de qualquer contingência, os candidatos se reúnem com Cartes, não com Peña. Naturalmente, o ex-presidente vai limitar severamente a autonomia de governo de Peña."

A posição de Mario Abdo

As críticas ao novo presidente não partem apenas da oposição, mas do próprio partido. Abdo, presidente em exercício, é um dos mais duros críticos do cartismo.

"Cartes é um homem nefasto que quer o controle total [do poder]", disse ele à Radio Concierto em dezembro passado.

Mas mesmo as divisões internas não são novas. "Não é a primeira vez que isso acontece", diz Ana Couchonnal, doutora em sociologia e pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas.

Ela conta que, em 2008, na única eleição em que a oposição venceu os colorados, o partido vivia uma de suas mais duras crises internas.

O presidente em exercício do Paraguai, Mario Abdo Benitez, mostra dedo indicador sujo de tinta após votar nas eleições à Presidência do país na escola República do Chile, em Assunção, a capital - Norberto Duarte - 30.abr.23/AFP

Por isso, nesta eleição, apesar das profundas divergências, o candidato apoiado por Abdo, Arnoldo Wiens, aliou-se a Peña em um gesto que no poderoso partido Colorado é conhecido como o "abraço republicano": aparecer unido para o exterior para preservar o poder.

"Os problemas internos acabam se dissolvendo em razão da necessidade prática de sustentar o poder", diz Couchonnal.

Para alguns analistas, no entanto, o gesto não é garantia de coesão entre as diferentes facções da sigla uma vez que ela assuma o governo. "Peña terá que administrar a relação bastante desgastada com o Colorado", diz Pérez Talia.

Promessas e desafios

Peña, cujo partido governou o país nas últimas sete décadas, com exceção de um breve período entre 2008 e 2013, prometeu "mais dinheiro no bolso dos paraguaios" em decorrência da geração de empregos e a formalização da economia.

Entre os principais desafios que o novo presidente enfrentará, estão diferentes problemas econômicos e sociais, como a evasão fiscal, a informalidade do trabalho, o forte impacto da seca e a pobreza que atinge principalmente camponeses e indígenas.

Durante a campanha, Peña prometeu acabar com a evasão fiscal e promover políticas para que mais pessoas trabalhem na economia formal. Ele também afirmou não ter entre seus planos aumentar os impostos.

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