América Latina não pode silenciar sobre Guerra da Ucrânia, diz ministra alemã

Durante evento em São Paulo, Annalena Baerbock mostra apetite europeu por energia e futuro do lítio no Brasil

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São Paulo

Em um discurso com menções à cantora Elza Soares e futebol e elogios ao governo Lula, a chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, abordou nesta terça (6) o desejo europeu de que os países da América Latina se posicionem contra a invasão russa da Ucrânia.

Durante evento na FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo, a ministra das Relações Exteriores disse compreender a maneira como a região percebe o conflito, uma visão, segundo ela, diferente da que tem a Europa. "Muitas vezes ouço: 'Onde vocês [Europa] estavam quando precisamos de vocês?'."

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, discursa em evento na FGV, em São Paulo - Divulgação/Piti Reali

Essas diferenças ficaram explícitas, por exemplo, na decisão do governo brasileiro de negar um pedido da Alemanha para fornecer munição de tanques que seria repassada por Berlim à Ucrânia.

"O preço no mercado é mais decisivo do que o que ocorre na Ucrânia. Mas na Europa também vivíamos um ambiente de paz que parecia duradouro. Hoje vemos que incertezas nas cadeias de suprimento prejudicam o fornecimento de itens vitais —antibióticos na Alemanha, fertilizantes no Brasil", disse ela.

Baerbock ainda usou o futebol para falar do conflito no Leste Europeu, ao dizer que princípios do esporte também valem para salvar as democracias, sendo o principal deles o fair play (jogo limpo). "Se ignorarmos uma violação tão brutal da Carta das Nações Unidas [em referência à invasão russa], o livre comércio também não teria mais chance. É por isso que se ater às regras é tão importante."

Na segunda-feira (5), Baerbock cumpriu agenda em Brasília, onde se encontrou com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), e o assessor especial da Presidência para política externa, Celso Amorim. Em referência ao 8 de Janeiro, afirmou que "o recente ataque ao coração da democracia brasileira foi uma expressão de vulnerabilidade, algo perigoso que também vemos na Alemanha".

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, durante encontro em Brasília - Evaristo Sá - 5.jun.23/AFP

A guerra e a situação política brasileira, no entanto, não foram os únicos pontos do discurso de abertura que a ministra do governo do premiê Olaf Scholz proferiu no evento sobre "Democracia e digitalização". Baerbock também exibiu o apetite europeu pelo mercado de energia no Brasil e na América Latina.

Em especial, mencionou o lítio, utilizado na bateria de carros elétricos e já disputado na região por EUA e China. "Vocês estão à frente de nós. Nossos ônibus não são movidos a eletricidade. Se conseguirmos que o lítio seja extraído e processado no Brasil, tornaremos a produção muito menos dependente de gargalos e criaremos empregos."

Antevendo as críticas, frisou que seu país não pretende capitanear uma nova "corrida do ouro na região". "Não queremos uma extração que gera riqueza para poucos, mas sim o desenvolvimento da população local, do meio ambiente e de toda a região."

Sobre o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, gestado há pelo menos 20 anos e prometido pelo presidente Lula e por alguns líderes europeus para ser concluído ainda neste ano, negou que a Europa dê ênfase a uma política protecionista, uma crítica comum do lado latino-americano.

"Vamos apostar sempre em abertura. Queremos expandir as cadeias de valor. É importante que esse acordo seja sustentável, não queremos colocar as empresas sob pressão, mas estabelecer incentivos. Quando trabalham juntas, democracias podem resolver problemas globais."

Para arrematar a fala, a ministra, uma das principais figuras da política alemã hoje e membro dos Verdes que chegou a ser cotada como sucessora da ex-primeira-ministra Angela Merkel, arriscou em português trechos de uma canção de Elza Soares, morta em 2022 —"E hoje sou meu próprio patrão, e ninguém me manda"—, numa metáfora para se referir a incentivos ao desenvolvimento latino-americano.

Neste sentido, a diplomata defendeu brevemente que América Latina e África tenham uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, sem detalhar como seria a representação das regiões.

Por mais de uma vez, ela e o ministro do Trabalho alemão, Hubertus Heil, que discursou na sequência, disseram que Brasil e Alemanha têm valores não compartilhados por outras nações, em referência tácita a países como China e Rússia. "Em especial, a economia de livre mercado e a democracia", disse Heil.

Antes, nesta mesma toada, Annalena Baerbock já havia criticado o impacto que regimes autoritários têm tido na economia global. "Onde antes a mão invisível do mercado às vezes agia, agora é com muita frequência a mão de regimes autocráticos que querem usar as corporações como ferramentas geopolíticas."

Antes da agenda em São Paulo, em Brasília, a ministra se encontrou com a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha —o chanceler Mauro Vieira está em viagem oficial a Paris após passagem pela África. Berlim e Brasília divulgaram comunicado conjunto que, em linhas gerais, defende cooperação para o combate à crise climática.

O premiê alemão, Olaf Scholz, foi um dos primeiros chefes de Estado a realizar uma visita oficial ao Brasil desde o início do terceiro mandato de Lula, ainda no final de janeiro.

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