Descrição de chapéu China 8 bilhões no mundo

Covid, crise e insegurança levam cada vez menos jovens a se casar na China

Cenário agrava dilema demográfico do país que recentemente foi passado pela Índia como mais populoso do mundo

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Nicole Hong Zixu Wang
Seul | The New York Times

Foram três anos difíceis para os jovens adultos da China. A taxa de desemprego sobe em meio a uma onda de demissões nas empresas, e as criticadas restrições para conter a Covid acabaram, mas não a sensação de incerteza sobre o futuro criada por elas.

Para muitos, a crise recente é mais um motivo para adiar decisões importantes. Isso contribui para uma baixa taxa recorde de casamentos e dificulta esforços estatais para evitar a crise demográfica.

Casal tira fotos em Xangai
Casal tira fotos em Xangai - Qilai Shen - 5.jul.23/The New York Times

Grace Zhang, profissional de tecnologia, passou dois meses trancada durante o bloqueio do governo de Xangai no ano passado devido à Covid. Privada da possibilidade de se movimentar livremente, ela se desesperou, ainda mais ao ver as restrições se espalharem pelo país.

Quando a China encerrou o lockdown, em dezembro, Zhang, 31, deixou Xangai para trabalhar remotamente, viajando de cidade em cidade na esperança de que uma mudança de cenário restaurasse sua esperança. Agora, ao ver as demissões crescerem, ela questiona se seu emprego é seguro o suficiente para sustentar uma futura família.

Ela tem namorado, mas não tem planos de se casar, apesar das frequentes advertências de seu pai de que está na hora. "Esse tipo de instabilidade na vida fará com que as pessoas tenham cada vez mais medo de adotar novas mudanças", diz ela.

O número de uniões na China diminuiu durante nove anos consecutivos. No ano passado, cerca de 6,8 milhões de casais se registraram para casamento, o número mais baixo desde que os registros começaram, em 1986; em 2013 foram 13,5 milhões, segundo dados divulgados no mês passado.

Embora os números tenham aumentado em 2023 em comparação com o ano anterior, mais casamentos estão terminando. No primeiro trimestre, 40 mil casais se uniram, em comparação com o mesmo período de 2022, enquanto os divórcios aumentaram em 127 mil.

Pesquisas mostraram que os jovens são dissuadidos pela dificuldade de colocar uma criança no sistema educacional implacável da China. E, à medida que as mulheres nas cidades alcançam novos níveis de independência financeira e de educação, o casamento é menos uma necessidade econômica para elas.

Recém-casados posam para fotos perto do Bund em Xangai, na China
Recém-casados posam para fotos perto do Bund em Xangai, na China - Qilai Shen - 5.jul.23/The New York Times

A instabilidade dos últimos três anos agravou essas pressões, remodelando as expectativas de muitos jovens sobre a construção de uma família. A China impôs um controle cada vez mais rígido sobre todos os aspectos da sociedade sob seu líder, Xi Jinping, com consequências que podem pesar sobre a taxa de casamentos.

"Se os jovens não estão confiantes sobre o futuro, é muito difícil pensarem em se estabelecer e casar", diz Xiujian Peng, pesquisador sênior da Universidade Victoria, na Austrália.

Na China, onde é extremamente raro um casal não casado ou uma pessoa solteira ter filhos, o declínio do casamento está ligado à queda na taxa de natalidade do país. No ano passado, a população chinesa reduziu pela primeira vez desde o início dos anos 1960.

O Partido Comunista iniciou uma campanha para incentivar as pessoas a se casarem e ter filhos —até mesmo realizando eventos de namoro patrocinados pelo Estado.

O regime também testa programas em 20 cidades para promover uma "nova era" de casamentos. Um dos princípios é que maridos e esposas devem compartilhar as responsabilidades da criação dos filhos –um reconhecimento de que as mulheres tradicionalmente carregam um fardo desigual. Mas as ansiedades que levam tantas pessoas a rejeitar o casamento não são fáceis de resolver.

Para Xu Bingqian, 23, recém-formada na faculdade, a pandemia acabou com seus planos de estudar na Espanha e se inscrever em escolas de pós-graduação. Um de seus professores, de Cuba, não pôde retornar à China para lecionar devido às restrições de viagem.

Quando os bloqueios prendiam Xu no dormitório, surgiram discussões com suas colegas. Elas lamentavam a perda de oportunidades educacionais e tinham poucas saídas —o que lhe frustrava.

Xu, que agora trabalha numa livraria na cidade de Qingdao, disse que os bloqueios a levaram a adotar uma abordagem mais "conservadora" e evitar grandes mudanças, como encontrar um namorado. "Não quero que esse tipo de incerteza entre na minha vida."

A proporção de mulheres de 25 a 29 anos na China urbana que nunca foram casadas aumentou de 8,6% em 2000 para 40,6% em 2020, conforme análise de Wang Feng, da Universidade da Califórnia em Irvine.

Pessoas conversam através de um portão durante os bloqueios da Covid em Xangai, China
Pessoas conversam através de um portão durante os bloqueios da Covid em Xangai, China - Qilai Shen - 25.abr.23/The New York Times

Muitos homens dizem que estão adiando o casamento porque se sentem economicamente inseguros. Devido a uma preferência por meninos durante a política de filho único, encerrada em 2016, a China ficou com cerca de 35 milhões de homens a mais que mulheres.

Xu Xi, 30, deixou o trabalho numa empresa multinacional de tecnologia por uma empresa estatal neste ano. Ele queria mais segurança no emprego, embora tenha aceitado um corte de 50% no salário.

Após a troca, ele se sente pronto para pedir a namorada em casamento, mas diz que não planeja ter filhos porque o custo é muito alto. Ele afirma que muitas pessoas se sentem mais pobres apesar de a China se tornar mais próspera, um sentimento que afetará as atitudes dos trabalhadores em relação ao casamento.

A China é o segundo país mais caro do mundo para se criar um filho, atrás da Coreia do Sul, de acordo com demógrafos chineses. "Ainda estou procurando estabilidade e vendo o que está acontecendo com a economia", diz Xu, que mora na cidade de Chengdu, no sudoeste.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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