Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
23/10/2010 - 14h45

ONU pede explicações aos EUA após WikiLeaks; premiê do Iraque acusa site de sabotagem

Publicidade

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

Após a ONU e a Anistia Internacional pedirem aos EUA explicações sobre os casos de tortura e mortes de civis durante a Guerra do Iraque denunciadas pelo WikiLeaks, o premiê iraquiano Nouri al Maliki classificou a divulgação dos dados secretos de "sabotagem" e disse que as acusações de que seu governo teria sido complacente com os abusos são parte de uma campanha política contra ele.

Em Londres, fundador do site WikiLeaks defende divulgações de dados secretos
WikiLeaks defende divulgação dos documentos secretos; ouça correspondente
Advogados britânicos exigirão que morte de civis no Iraque sejam investigadas
Dezembro de 2006 foi o mês mais sangrento no Iraque, com 103 civis mortos por dia
Arquivos vazados pelo WikiLeaks detalham ajuda do Irã a milícias iraquianas

Em meio ao vácuo político após a retirada das tropas de combate americanas e a ausência de um governo há meses, al Maliki acusou seus opositores de querer utilizar os documentos miliares americanos divulgados na sexta-feira pelo site WikiLeaks para acusá-lo de cometer os abusos.

"Há objetivos políticos por trás dessa campanha midiática, e alguns buscam utilizar esses documentos contra os líderes nacionais, particularmente o primeiro-ministro", afirmou o gabinete do chefe de governo em um comunicado.

As informações publicadas pelo WikiLeaks referem-se a casos de violência, torturas, estupros e inclusive assassinatos cometidos por policiais e militares iraquianos contra prisioneiros e sobre os quais o Exército americano optou por negligenciar.

Segundo a constituição iraquiana, o primeiro-ministro também é comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Além disso, de acordo com os documentos citados pela Al Jazeera, al Maliki teve vínculos com "esquadrões da morte".

Os opositores do primeiro-ministro o acusam de ter criado no seio das forças de segurança, após sua nomeação em 2006 em pleno conflito sectário, unidades responsáveis por fazer o trabalho sujo, principalmente assassinatos.

"Em relação aos assassinatos, às prisões e torturas, confirmamos que o primeiro-ministro, que é comandante das Forças Armadas, tem a autoridade sobre todas a forças e que estas cumprem seu dever de deter e castigar conforme as ordens emitidas pela Justiça, e não segundo critérios religiosos ou partidários, como alguns gostam de dizer", respondeu o escritório do chefe de governo.

ONU

Mais cedo o relator especial da ONU sobre a tortura, Manfred Nowak, e a Anistia Internacional, instaram neste sábado os Estados Unidos a investigar os casos de tortura revelados nos documentos militares americanos publicados na sexta-feira pelo site WikiLeaks.

"A administração (do presidente americano Barack) Obama tem a obrigação, quando surgem acusações sérias de tortura contra qualquer funcionário americano, de investigar e tomar as consequências. Essas pessoas deveriam ser processadas", afirmou o relator à rádio BBC.

"Eu teria esperado que (este tipo de investigação) fosse iniciada há tempos, porque o presidente Obama chegou ao poder prometendo a mudança (...) O presidente Obama tem a obrigação de cuidar dos casos passados. É uma obrigação investigar", continuou o relator.

Nowak reconheceu, entretanto, que poderia ser apenas uma investigação americana, já que os Estados Unidos não reconhecem o Tribunal Penal Internacional (TPI).

A Anistia Internacional também pediu a Washington que investigue o quanto as autoridades sabiam sobre os maus tratos a presos no Iraque.

A organização de defesa dos direitos humanos com sede em Londres lembrou em um comunicado que, como todos os governos, os Estados Unidos "têm uma obrigação sob o direito internacional de garantir que suas próprias forças não utilizem a tortura e que as pessoas que estão detidas pelas forças americanas não sejam entregues a outras autoridades que possam torturá-las".

"Os Estados Unidos descumpriram esta obrigação no Iraque, apesar do grande volume de provas disponíveis de muitos locais, que mostram que as forças de segurança iraquianas utilizam a tortura extensivamente e foi permitido que o fizessem impunemente", disse Malcolm Smart, diretor da Anistia para o Oriente Médio.

DEFESA

Já o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, defendeu neste sábado a divulgação de cerca de 400 mil documentos secretos sobre a guerra no Iraque.

Em entrevista coletiva, Assange afirmou que foram tomados todos os cuidados para que não haja risco para nenhum soldado envolvido nas operações no Iraque, relatou o correspondente da Folha em Londres, Vaguinaldo Marinheiro.

David Furst/AFP
Soldados americanos durante patrulha na Província de Diyala, no Iraque; documentos revelam que EUA ignoraram tortura e mais de 100 mil morreram
Soldados americanos na Província de Diyala, no Iraque; documentos revelam que EUA ignoraram tortura e mais de 100 mil morreram

O governo americano voltou a criticar o site. Disse que os documentos não trazem novidades e que apenas podem gerar um sentimento de vingança, colocando em risco as tropas ocidentais que continuam no país.

"Os ataques à verdade começam antes do início de uma guerra e continuam mesmo depois que ela acaba", afirmou Assange.

Segundo ele, a divulgação dos documentos minimizam esses ataques à verdade.

Nos papéis colocados à disposição no site há vários relatos de mortes e torturas cometidas pela polícia e pela Guarda Nacional Iraquianas contra seus próprios cidadãos.

Apesar de presenciar as atrocidades, soldados americanos apenas relatavam que não havia nada mais a investigar. Em alguns casos, eram comunicadas as autoridades iraquianas, muitas vezes as mesmas responsáveis pelas torturas.

"Isso transforma as tropas em cúmplices", afirmou Phil Shiner, da ONG Public Interest Lawyers, também presente à coletiva.

Os documentos revelam também 15 mil mortes de civis a mais que os computados até agora por Organizações Não Governamentais que acompanham a guerra.

Acredita-se que 66 mil civis foram mortos desde a invasão do país, em 2003.

O governo dos EUA diz que não há números sobre mortes de civis. "Os documentos trazem não apenas números, mas detalhes dos mortos. Isso é muito importante", disse John Sloboda, da organização Iraq Body Count.

A divulgação dos documentos é considerada o maior vazamento desse tipo de documento da história.

Em julho, o WikiLeaks já havia divulgado 91 mil documentos secretos sobre a guerra do Afeganistão.

Acredita-se que os dois vazamentos tenham a mesma fonte: um analista dissidente da inteligência do Exército americano, cuja identidade continua mantida sob sigilo.

ABUSOS E NEGLIGÊNCIA

Segundo os documentos, desde a invasão americana no Iraque, em 2003, morreram mais de 100 mil iraquianos, dos quais cerca de 70 mil civis.

Os relatórios indicam que as forças americanas deixaram sem investigação centenas de denúncias de abusos, torturas e assassinatos por parte das milícias iraquianas, que em alguns casos são acusadas de chicotearem e queimarem pessoas. Em um caso particular, os americanos acusam soldados do Iraque de cortarem os dedos e queimarem com ácido um dos presos.

Em uma das partes é descrita a execução de dois presos que estavam com as mãos atadas; já uma outra relata a morte de um preso que apesar de apresentar uma incisão cirúrgica no abdômen teve a causa do óbito descrita como "falha renal".

O site da TV Al Jazeera relata que soldados americanos denunciaram a seus superiores as alegações de tortura em ao menos 1.300 ocasiões: "o detento estava vendado"; "apanhou nos braços e pernas com um objeto duro"; "socado no rosto e na cabeça"; "eletricidade foi usada em seus pés e genitais"; "foi sodomizado com uma garrafa d'água".

Em alguns dos casos, os militares americanos abriram uma investigação, mas em sua maioria as denúncias foram apenas reportadas aos superiores, que deixaram a averiguação a cargo das forças iraquianas. A frase "nenhum soldado da coalizão esteve implicado no incidente" é frequente nos relatórios, assim como o comentário "não é necessária uma investigação".

O vazamento dos documentos foi imediatamente reprovado pelo governo dos Estados Unidos. O porta-voz do Pentágono, Geoff Morrell, assegurou que nos documentos "não há nada que possa indicar a existência de crimes de guerra", mas considerou que "o país está mais vulnerável agora".

Sabah Arar/AFP
Helicópteros militares sobrevoam zona verde, em Bagdá; 109 mil morreram no conflito, entre eles 66 mil civis
Helicópteros militares sobrevoam zona verde, em Bagdá; 109 mil morreram no conflito, entre eles 66 mil civis

O jornal "The New York Times", uma das publicações que tiveram acesso prévio aos documentos, divulgou declarações de um porta-voz do Pentágono, que indica que a política americana "está, e sempre esteve, em linha com as práticas e o Direito internacionais".

"Se foram perpetrados (abusos) por iraquianos, corresponde às forças iraquianas investigá-los", disse o porta-voz.

NÚMEROS

Até agora, nem o governo dos EUA nem as forças aliadas divulgaram um número oficial das vítimas iraquianas em decorrência do conflito, apesar de os relatórios que vazaram darem conta de 109.032 mortos entre 2004 e 2009, dos quais 66.081 civis.

Segundo a organização Iraqi Body Count, o número inclui 15 mil mortos em casos desconhecidos até agora.

A maior parte das mortes, cerca de 30 mil, foram causadas por minas colocadas pelos insurgentes ao longo do território iraquiano. Apesar disso, há passagens onde são relatados casos em que as tropas americanas, por erro, acidente ou precipitação, mataram civis inocentes. Em uma delas, civis foram alvejados por soldados americanos desde um helicóptero, apesar de as vítimas darem sinais de rendição.

Pelos documentos, os EUA demonstravam preocupação com o papel do Irã na guerra. Os relatórios indicam que os iranianos treinaram iraquianos no manejo de explosivos e forneceram armas para o país vizinho.

PAPEL DO IRÃ

Os documentos vazados pelo sie WikiLeaks revelam ainda o apoio dado às milícias iraquianas xiitas pela Guarda Revolucionária do Irã, a elite do Exército iraniano, informam o jornal "The New York Times" e a TV Al Jazeera.

O papel do Irã na Guerra do Iraque é tema de vários documentos, muitos dos quais sugerem que Teerã estava fortemente envolvido em equipar e apoiar grupos xiitas radicais no Iraque. Os dois veículos reiteram, no entanto, que os documentos apenas registram um lado da história --o dos EUA-- e de forma limitada, e que muitos foram baseados em entrevistas com informantes --de credibilidade duvidosa.

Os arquivos apontam amplas ligações entre o Irã e os grupos militantes, que tinham como alvo políticos sunitas, ou responsáveis por ataques com o objetivo de minar a confiança no governo iraquiano.

Durante o governo de George W. Bush, críticos alegaram que a Casa Branca exagerou no papel do Irã no conflito iraquiano, com o objetivo de ganhar apoio a política linha-dura em relação a Teerã, incluindo uma possível ação militar.

Testemunhos de detidos, o diário de um militante capturado e várias armas apreendidas revelam o papel do Irã em fornecer às milícias iraquianas foguetes, bombas magnéticas que podem ser grudadas embaixo de carros, bombas de beira de estrada, rifles calibre 50 e mísseis portáteis, entre outras armas.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página