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12/06/2011 - 07h15

Após vitória de Humala, "consenso de Brasília" avança na AL

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PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Com a vitória do candidato Ollanta Humala na eleição presidencial do Peru, avança na América Latina o que já vem sendo chamado de "consenso de Brasília". Regimes de esquerda moderada, que combinam inclusão social com nacionalismo na exploração de recursos naturais e estabilidade macroeconômica, estão se consolidando na América Latina.

Os maiores símbolos deste novo consenso são Brasil, Uruguai e El Salvador. O prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, conhecido defensor do livre-mercado, apoiou Humala nesta eleição e falou do novo consenso em coluna recente no jornal espanhol "El País".

"Para que aqueles programas (sociais) sejam bem-sucedidos é indispensável que o Peru continue crescendo como nos últimos anos, senão não há riqueza para distribuir. Os socialistas chilenos, brasileiros, uruguaios e salvadorenhos entenderam isso e, apesar de continuarem se chamando de socialistas, têm feito um governo social-democrata (não digo liberal para não assustar ninguém, mas não seria mentira)."

Na América do Sul, só restaram dois países grandes com governo de centro-direita --Chile e Colômbia. E mesmo esses estão se movendo para uma agenda de centro-esquerda. O governo de Sebastián Piñera no Chile é considerado uma continuação do Concertación (coalizão eleitoral de partidos chilenos de centro-esquerda).

Piñera adotou medidas mais identificadas com a esquerda do que a direita --renegociou os impostos da mineração e quer aprovar licença maternidade de seis meses. Na Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos tem sido criticado publicamente por seu antecessor Alvaro Uribe, por medidas que preveem a indenização de vítimas do conflito armado e um plano de devolução das terras de camponeses que foram expropriadas por paramilitares de direita.

O Peru, que durante o governo Alan García seguiu à risca os preceitos do consenso de Washington de atração de investimentos e abertura comercial, pecou por negligenciar os programas sociais e esse foi um fator determinante para eleição de Humala.

"O Peru foi um golpe contra a direita, que acreditava que bastava ter boas políticas e crescimento econômico para resolver o problema da pobreza", disse à Folha Michael Shifter, presidente do insituto de pesquisas Inter-American Dialogue.

"Essa eleição aponta para a consolidação de um esquerdismo moderado na região, podemos falar no avanço de um consenso de Brasília, baseado em preocupação com a agenda social, política macroeconômicas responsáveis, dentro de um arcabouço democrático."

DECADÊNCIA DA ESQUERDA BOLIVARIANA

Enquanto o consenso de Brasília está em ascensão, a esquerda bolivariana está em franca decadência. Chávez está com a popularidade em menos de 50%, índice historicamente baixo, e o país luta contra uma série de problemas econômicos.

"Ficou provado que a esquerda de Lula é melhor do que a esquerda de Chávez", diz o chileno Patrício Navía, professor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova York e da Universidade Diego Portales em Santiago.

"A Venezuela de hoje tem tantos problemas quanto tinha em 1999, quando Chávez assumiu; Os venezuelanos não querem voltar ao passado, mas tampouco estão contentes com Chávez, que debilitou a democracia e enfraqueceu a esquerda."

Para Shifter, o Chavismo está em perigo. "Chávez perdeu seus dois maiores amigos --Lula e Fidel Castro-- e dois maiores inimigos --Bush e Uribe--, ele se sustentava com o apoio desses amigos e confronto com os inimigos", diz.

Humala passou boa parte da campanha tentando convencer o eleitorado de que tinha se "lulificado" e chegou a dizer que o modelo de Chávez "não se aplicava" ao Peru. Prometeu que iria respeitar contratos, manter a estabilidade macroeconômica e independência do banco central.

E Humala se cercou de assessores do ex-presidente Alejandro Toledo, que manteve um governo bastante amigável a investidores, em sua equipe econômica.

Suas propostas mais controversas são a renegociação dos royalties e outros impostos sobre a mineração e sua ênfase nas consultas populares para os projetos infraestrutura.

Mas os governos do Chile e de Israel, longe de serem considerados de esquerda, anunciaram recentemente aumento nos impostos sobre extração de recursos naturais.

"O problema é seu plano de governo original, que era bem radical e falava em acabar com exportações de gás do campo de Camisea, por exemplo; precisamos ver como serão essas mudanças de impostos, se tentar mudar a força contratos que garantiam estabilidade", diz Diego Moya-Ocampos, analista de América Latina da consultoria IHS.

Também é preciso ver se ele cumprirá suas promessas de que não vai mudar a constituição para permitir reeleição, como fizeram alguns governos bolivarianos, e nem optar por uma dupla com sua mulher, Nadine , que se candidataria na próxima eleição, reeditando o modelo argentino Cristina-Néstor Kirchner.

Ao lado de políticas que poderiam estar em qualquer governo tido como neoliberal, como independência do banco central e estabilidade fiscal, o consenso de Brasília prega um crescimento do papel do Estado na economia e um foco nas questões internas. Isso inclui desde as consultas populares para aprovar projetos de infraestrutura e extração de minerais, os orçamentos participativos.

Segundo Amado Cervo, professor emérito de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, esses governos têm em comum a ênfase em inclusão social e uma certa "introspecção" --eles não são tão voltados para fora e para acordos comerciais com outras regiões, são mais centrados em mercado interno e valorização de seus recursos naturais.

"É diferente da esquerda da Venezuela, Bolívia e equador, calcada em um projeto mais radical de distribuição de renda, com preceitos socialistas", diz Cervo. "E os bolivarianos também recorrem a reformas da constituição como forma de "refundar a nação", perpetuando os líderes no poder, em uma democracia corrompida."

Navia faz a ressalva de que o modelo brasileiro não é novo e começou, na realidade, com o governo Ricardo Lagos no Chile (2000-2006). "Ele foi o primeiro governo de esquerda desde Allende e incorporou várias políticas liberais".

 

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