Editorial: Detenção sob suspeita
Soa como tentativa de intimidação da imprensa a detenção temporária, por autoridades de segurança britânicas, do brasileiro David Miranda, 28.
Miranda namora Glenn Greenwald, o jornalista americano que revelou o escândalo de espionagem global de telecomunicações conduzido por agências dos EUA.
A maior parte das reportagens de Greenwald, radicado no Rio de Janeiro, foi publicada pelo jornal britânico "The Guardian". Para escrevê-las, o profissional se baseou em documentos obtidos por Edward Snowden, ex-técnico do serviço de segurança americano.
Jornalistas, como se sabe, prestam um serviço ao divulgar informações de interesse público e não estão sujeitos às mesmas leis que criminalizam o delator --e que permitiram que os EUA formalizassem acusação contra Snowden.
Por essa razão, governos democráticos recorrem a expedientes diversos quando pretendem atingir jornalistas incômodos. Foi, sem dúvida, o que fez o Reino Unido.
A lei britânica de combate ao terrorismo autoriza agentes a parar, revistar, questionar e deter, sem motivação prévia, qualquer indivíduo que transite por porto, aeroporto ou fronteira do país.
Sobre David Miranda não pairam suspeitas de ligação com terrorismo. Sem sua relação com Greenwald, é improvável que a lei fosse aplicada. Fortalecem tal interpretação a anuência dos EUA e o fato de que menos de 3 a cada 10 mil pessoas que passam pelo país são submetidas a esse procedimento.
Mais de 97% das detenções levam menos de uma hora. Miranda passou oito horas e 55 minutos sob interrogatório --o prazo máximo previsto pela lei é de nove horas.
Todos os seus aparelhos eletrônicos foram confiscados. O brasileiro viajara a Berlim, com despesas pagas pelo "Guardian", para encontrar uma colaboradora de Greenwald, com quem Miranda trocou informações sobre os documentos de Snowden.
O ouvidor da legislação de terrorismo britânica declarou que o caso foi incomum e requer explicações. O chanceler brasileiro, Antonio Patriota, disse que questionará o governo do Reino Unido.
O mais provável é que Londres insista no amparo legal da ação. Mas a lamentável verdade é que, mesmo que se retrate, já terá contribuído para macular o princípio segundo o qual, nas democracias, a imprensa não deve sofrer ameaças enquanto faz o seu trabalho.
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