Editorial: Miopia líquida
A região metropolitana de São Paulo enfrenta uma onda de reclamações por falta d'água.
Já em maio pesquisa Datafolha revelava que 35% dos moradores da capital diziam ter encontrado torneiras secas em algum momento dos 30 dias anteriores. Agora, até bares e restaurantes na famosa Vila Madalena fecham as portas por não ter como lavar copos e pratos.
A situação é grave, tanto mais porque o governo estadual se omite, encolhido atrás de um dique de cálculos eleitorais oportunistas. A Grande São Paulo vive um racionamento de fato, não declarado –isso para não dizer "sujo", e em mais de um sentido.
A fórmula encontrada para impedir o consumo por uma parte da população sem decretar a medida impopular foi reduzir a pressão na rede de distribuição em 75% no período noturno. Com isso, a Sabesp logrou obter um quinto da redução de 8.500 litros por segundo realizada entre fevereiro e junho no volume retirado do sistema Cantareira.
Antes disso, a empresa estatal de saneamento básico havia aliviado 44% da demanda sobre o Cantareira remanejando o abastecimento de 2 milhões de seus 8,8 milhões de consumidores para outros sistemas produtores, como o Alto Tietê. Outros 32% dessa economia foram obtidos com um desconto para quem reduziu o consumo, a partir de fevereiro.
São todas medidas racionais, mas paliativas. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), contudo, recuou da própria proposta de cobrar sobretaxa de quem gastasse mais água –um modo de inibir o consumo supérfluo. Por certo teme reflexos na sua votação em outubro.
É a mesma lógica timorata de esquivar-se do conceito "racionamento" como de um sortilégio.
Ora, em realidade o governo já o pratica, com a pressão diminuída na rede, mas de forma iníqua, infligindo dano desproporcional a moradores e comerciantes estabelecidos em áreas mais altas. O prejuízo se agrava com a ausência de informação sobre onde e quando o incômodo se materializará.
Ademais, especialistas receiam que a pressão reduzida nas tubulações permita a infiltração de contaminantes do terreno ao seu redor.
O governador Geraldo Alckmin não é, por certo, culpado pela estiagem inaudita. Mas tem participação, sim, e dupla, na situação limítrofe a que chegou o abastecimento em várias cidades do Estado.
Primeiro, como figura de proa em duas décadas de governos tucanos que não souberam preparar o barco para uma crise de tal porte. Depois, por escusar-se a liderar os paulistas numa campanha muito mais ambiciosa de redução do consumo, à altura da emergência que São Paulo encara e, portanto, muito acima do horizonte eleitoral que ocupa toda a sua visada.
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