Editorial: Águas de outubro
Causam apreensão as informações que a Sabesp divulgou na semana passada sobre o consumo de água na Grande São Paulo. No primeiro semestre deste ano, o uso de recursos hídricos cresceu 1,1% em relação ao mesmo período de 2013.
A comparação leva em conta 31 cidades da região metropolitana (incluindo a capital) e 12 municípios do entorno de Bragança que são abastecidos pelo Cantareira e por outros cinco sistemas.
Se a metáfora não fosse inconveniente, talvez a companhia paulista de saneamento básico buscasse caracterizar esses dados como um "copo meio cheio, meio vazio". O consumo, afinal, aumentou 4% no primeiro trimestre, mas recuou 2% nos meses seguintes.
Efeito, sem dúvida, das medidas que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) adotou. Desde fevereiro, consumidores abastecidos pelo Cantareira têm desconto de 30% na conta de água se reduzirem o consumo em 20%. A iniciativa foi estendida aos demais clientes dessas 43 cidades em março e maio.
Há, entretanto, pouca razão para otimismo. De saída, porque a economia registrada no segundo trimestre é pífia; não bastou nem para salvar o primeiro semestre, que dirá das represas, exauridas pela seca e por anos sem investimento.
Além disso, a administração tucana dá sinais de que só enfrentará a crise com a seriedade que ela merece depois das eleições. Até lá, ao que tudo indica, continuará fingindo ser corriqueira uma situação que é preocupante.
O exemplo mais recente dessa estratégia está na entrevista concedida a esta Folha por Mauro Arce, secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos.
"As pessoas aqui foram mais conscientes", diz o secretário ao comentar por que não há multa para desperdício de água em São Paulo, como ocorre na Califórnia (EUA). Ele se referia ao fato de 90% dos atendidos pelo Cantareira terem diminuído o consumo em maio.
"Aí arrefeceu, por dois motivos. Nunca vi inverno tão quente, além de não ser chuvoso. E fomos proibidos pela lei eleitoral de alertar as pessoas na TV", continuou Arce.
A legislação de fato proíbe a veiculação de publicidade institucional, mas só nos três meses que antecedem o pleito –antes de julho, contudo, as campanhas da Sabesp rareavam. Mais importante do que isso, há exceção para casos de "grave e urgente necessidade pública".
As reservas do Cantareira chegaram ontem a 11,9% de seu total, já considerado o volume morto; de acordo com os meteorologistas, os próximos meses terão índice de chuvas abaixo da média histórica.
Com base nesses fatos, a Justiça decerto permitiria ao governo levar ao ar peças de esclarecimento, de modo que os paulistas pudessem combater a escassez de água com o máximo de informação. Se a gestão Geraldo Alckmin não o faz, não é devido à legislação eleitoral, mas ao cálculo eleitoreiro.
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