Um desastre sem fim
Alexandre Rezende/Folhapress | ||
Imagens da comunidade de Bento Rodrigues, três semanas apôs o rompimento da barragem |
Em 5 de novembro de 2015, a barragem do Fundão, controlada pela empresa Samarco, rompeu, provocando a liberação de milhões de metros cúbicos de rejeitos no vale do Rio Doce. O evento, reconhecido como o maior desastre socioambiental brasileiro, impactou a vida de indivíduos e grupos sociais localizados ao longo do trajeto da lama.
Naquele momento, a sociedade brasileira se viu perplexa e mergulhada num mar de desconhecimento sobre as causas e os impactos do desastre. Percebeu-se, então, despreparada para reagir a ele de forma segura, ágil e planejada. Isso deixou um lastro de dúvidas e disputas sobre os modelos de desenvolvimento praticados no Brasil.
Dois anos após o rompimento da barragem, os danos socioeconômicos e ambientais permanecem não mensurados e incompreendidos, produzindo tensões entre os principais atores envolvidos.
O exemplo de Mariana revela a necessidade de uma política de gestão de desastres que garanta efetiva participação das comunidades direta e indiretamente afetadas. É preciso também que se confira ao Estado papel mais importante na implementação dessa política, tal como o ocorrido no emblemático caso do acidente da British Petroleum no Golfo do México em 2010.
Pouco depois do desastre, o governo brasileiro celebrou acordo com a Samarco obrigando-a a transferir recursos a uma entidade –a Fundação Renova– para desenhar e executar ações de reparação e compensação ambiental. Cabe à Renova, por exemplo, indenizar os indivíduos que perderam suas moradias e bens no desastre.
A Fundação Renova foi fundada e é mantida pela Samarco. Embora suas ações estejam sob a supervisão de um comitê instituído pelo poder público, esta entidade possui inegável autonomia na gestão dos danos provocados pelo desastre.
No limite, havendo discordância entre a fundação, os atingidos e o Estado sobre o melhor curso a ser adotado em uma ação reparatória, a Renova não está obrigada a agir e, portanto, gastar os recursos de sua mantenedora, até que o Poder Judiciário dê a palavra final. E, enquanto pendente a manifestação da Justiça, o Estado e a população atingida não disporão de meios para forçar a Renova a agir.
Em um cenário de potenciais conflitos e assimetria de informações entre empresa, fundação, Estado e atingidos, chama a atenção o fato de que ainda sejam falhos os mecanismos de gestão do desastre.
Isso deixa questões abertas e urgentes como, por exemplo, a reestruturação das economias localizadas no rio Doce e também a própria reconstrução das estruturas físicas e sociais afetadas, como é o caso da comunidade de Bento Rodrigues.
O caso de Mariana faz repensar as estruturas de governança do modelo de desenvolvimento econômico que seguimos.
Expõe, também, os limites e inconsistências nos projetos de Estado, sociedade e desenvolvimento que sustentamos.
NATASHA SCHMITT CACCIA SALINAS e PAULO AUGUSTO FRANCO são professores da FGV Direito Rio e coautores do livro "Depois da Lama: Mariana e as Consequências de um Desastre Construído"
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