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A dupla face do Irã

Crédito: Spencer Platt/Getty Images/AFP O presidente do Irã Hasan Rouhani, durante discurso, na 68° Assembleia-Geral da ONU, em Nova York (EUA). Hasan Rowhani confirmou durante seu discurso sua política de reaproximação com o Ocidente e pediu a Barack Obama que não dê ouvidos a pressões por guerra
O presidente reformista Hasan Rowhani, releeito em maio

Dada a complexidade da disputa de poder no Irã, é recomendável cautela na análise das circunstâncias dos protestos de rua iniciados há quase uma semana, que já deixaram ao menos 22 mortos e cerca de 450 detidos.

O presidente reformista Hasan Rowhani, reeleito em maio, vê-se em seu momento de maior instabilidade. Não havia manifestações desse porte desde a reação às denúncias de fraude no pleito de 2009, quando o conservador Mahmoud Ahmadinejad chegou ao segundo mandato.

É certo que agora não falta motivação genuína para insatisfação. Saudado no plano internacional pelo acordo nuclear com as potências ocidentais, o mandatário não conseguiu concretizar a esperada melhora do bem-estar social decorrente do relaxamento das sanções.

Os iranianos mais pobres enfrentam desemprego e inflação crescentes, e os relatos dão conta de que esse segmento compõe a maioria dos manifestantes –ao contrário do levante contra Ahmadinejad, organizado em especial pela classe média mais instruída dos grandes centros urbanos.

Entretanto simpatizantes de Rowhani veem a ação de parcelas mais alinhadas ao clérigo xiita Ebrahim Raisi, o rival derrotado nas urnas. Os atos teriam começado em Mashhad, terra natal e base eleitoral de Raisi, segunda maior cidade do país.

Com efeito, descartar o componente político não parece razoável quando se observa a histórica medição de forças entre moderados e radicais desde a Revolução Islâmica, em 1979.

O próprio sistema de governo tende à instabilidade ao estabelecer a figura presidencial e a de um líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que funciona como um guardião da teocracia.

Quando o chefe do Executivo não partilha da mesma linha de pensamento da autoridade religiosa, como acontece agora, fricções são comuns.

Cresce o cenário de incerteza, ademais, com registros de que manifestantes em Teerã bradaram "morte ao ditador" –em referência a Khamenei– e "abaixo a república islâmica".

Não há como dimensionar o grau de contestação à estrutura de poder, pois a cobertura jornalística independente é limitada, assim como o acesso a redes sociais. Ficam mais visíveis, porém, as fissuras entre sociedade e Estado.

Em entrevista recente à Folha, o premiado cineasta Jafar Panahi disse que "o regime faz as pessoas terem duas personalidades, uma que elas mostram lá fora e outra que representa o que realmente são [dentro de casa]". Está por ser descoberto se essa face escondida emergirá dos recentes protestos.

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