Moralidade, ainda que na marra

Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress BRASILIA, DF, BRASIL, 09-01-2018, 12h00: Funcionários do Palácio do Planalto limpam o Salão nobre, onde deve ocorrer a posse da depurada Cristiane Brasil (PTB-RJ) como ministra do Trabalho. Uma liminar da justiça suspendeu a posse, marcada para às 15hrs de hoje, e o governo Temer tenta derrubar a decisão. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Salão no Palácio do Planalto onde ocorreria a posse de Cristiane Brasil como ministra do Trabalho

A suspensão da posse da quase ministra do Trabalho levanta a questão de saber até onde pode ir o Judiciário no controle de moralidade. Os juristas mais ortodoxos —e são muitos— demonstram certo desconforto: a questão nem deveria ser jurídica, disse nesta Folha a professora Eloísa Machado de Almeida.

Para ela, o Judiciário vem impondo uma agenda de moralização judicial da política, "muitas vezes à revelia do que diz a lei".

Ela entende que "nada autoriza que o Judiciário atue fora das regras por aí, cassando mandatos ou nomeações". E conclui: não há saída fora da Constituição.

Realmente, a saída está na Constituição, e também nas regras editadas para dar aplicação a seu artigo 37, cuja grande novidade foi a consagração do princípio de moralidade. É dever do magistrado, dentro dos limites da interpretação, buscar a solução que melhor atenda aos princípios constitucionais. O que não se admite é decisão puramente ideológica, apartada de normas e valores.

Para conter os excessos do Executivo, a doutrina francesa desenvolveu as ideias de desvio e de excesso de poder, mesmo em matérias em que o governante pode decidir livremente.

Caso típico de abuso foi a desapropriação da mansão de um banqueiro pelo governador da Bahia, como forma de retaliação pela venda do banco, com a alegação de ali instalar uma escola-parque destinada a excepcionais.

Embora a livre escolha de ministros seja atribuição do presidente da República, há uma regra basilar, que vale em qualquer tipo de empresa ou organização, salvo as criminosas: o agente público, funcionário, ou servidor, para ser admitido, deve ser uma pessoa idônea. Sem isso, é muito difícil conseguir emprego em qualquer lugar.

O servidor público não pode jamais desprezar o elemento ético de sua conduta, decidindo principalmente entre o honesto e o desonesto, determina o Código de Ética da Administração Pública Federal (decreto nº 1.171/94), que manda levar em conta "os fatos e atos verificados na conduta do dia a dia da sua vida privada".

Já o Código de Conduta das Autoridades, em vigor desde 2000, afirma em sua exposição de motivos que a tarefa deve ter início pelo nível mais alto da administração —ministros de Estado, secretários-executivos, diretores de empresas estatais e de órgãos reguladores—, que detém poder decisório: "Uma vez assegurado o cumprimento do Código de Conduta pelo primeiro escalão do governo, o trabalho de difusão das novas regras nas demais esferas da administração por certo ficará facilitado."

As regras e os princípios são claros e incontornáveis, mas o que importa "é o nível de aplicação e acatamento das normas", diz a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. E a Suprema Corte já tomou posição: "O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais."

O controle, portanto, nada tem de extravagante. A análise da moralidade de nomear para o ministério do Trabalho quem tem problemas com a lei trabalhista, ou para diretor do Detran quem teve a carta de habilitação suspensa por desrespeito às regras de trânsito, ou para qualquer posto quem já foi condenado pela Justiça, precisa mesmo ser examinada pelo Judiciário, pois o Executivo, aparentemente, não está nem aí.

EDUARDO MUYLAERT, advogado criminal, foi secretário de Justiça e da Segurança Pública de São Paulo (1986-1987, governo Montoro)

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