Mais uma arbovirose entre nós

Crédito: Rivaldo Gomes/Folhapress OSASCO, SP, 15/01/2018, BRASIL - FEBRE AMARELA EM OSASCO - 11:05:44 - Mesmo fora da zona perigo, Osasco registra longas filas de vacinacao da febre amarela. Ministerio da Saude disse que os governos de SP e Rio pediram antecipacao do inicio da campanha de vacinacao contra febre amarela. Pessoas formam fila para vacinacao na UBS da avenida Getulio Vargas, no jardim Piratininga. (Rivaldo Gomes/Folhapress, DA HORA) - ***EXCLUSIVO AGORA*** EMBARGADA PARA VEICULOS ONLINE***UOL, FOLHAPRESS E FOLHA.COM CONSULTAR FOTOGRAFIA DO AGORA***FONES 32242169 E 32243342***
Fila em posto de vacinação para a febre amarela em Osasco, na Grande São Paulo

No Brasil, a febre amarela foi pela primeira vez relatada em Pernambuco, em 1685, onde permaneceu durante 10 anos. A cidade de Salvador também foi atingida, causando cerca de 900 mortes durante os seis anos em que ali esteve.

O ciclo silvestre só foi identificado em 1932; desde então, surtos localizados acontecem em áreas classificadas como de risco. Entre 1980-2004, foram confirmados 662 casos da febre amarela silvestre, com 339 mortes. A última grande epidemia urbana no país ocorreu em 1929, no Rio. Já os últimos casos urbanos reconhecidos surgiram no município de Sena Madureira (AC), em 1942.

Desde então, nenhum caso urbano foi diagnosticado ou oficialmente notificado nas Américas, a despeito da intensa reinfestação do Aedes aegypti ocorrida na América do Sul, acompanhada de extensas epidemias de dengue, zika e chikungunya, salvo pelo registro não oficial de seis casos em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).

Desde julho 2016 existem relatos de primatas (macacos, saguis, bugios etc) encontrados mortos regiões ao redor de grandes cidades por todo o Brasil.

A situação atual e preocupante das arboviroses no Brasil reflete complexo contexto, no qual interagem ineficácias gerais de atuação do poder público e da sociedade.

Os condicionantes da expansão das arboviroses nas Américas e no Brasil devem-se em grande parte ao crescimento desordenado dos centros urbanos. O Brasil concentra quase 90% de sua população em áreas urbanas, com importantes lacunas no setor de infraestrutura: abastecimento irregular de água, deficiente coleta e destinação do lixo, acelerada expansão da indústria de materiais não biodegradáveis, condições climáticas favoráveis e aquecimento global, em cenário que impede a curto prazo a erradicação do vetor transmissor.

Um boletim da Organização Mundial da Saúde, de maio de 2016, reporta: "grandes epidemias de febre amarela ocorrem quando pessoas infectadas introduzem o vírus em áreas densamente povoadas onde há elevada densidade de mosquitos transmissores e onde a maioria da população apresente pouca ou nenhuma imunidade, pela baixa cobertura vacinal".

Nossa proposta diante desse surto tem por base diretrizes da OMS de maio de 2016: "rápida detecção de casos + rápida resposta com campanhas de vacinação emergencial", além de "capacitar laboratórios de referência onde possam ser executados os testes laboratoriais que permitam diagnóstico rápido (idealmente em 24 horas)". E o mais importante: "um caso laboratorialmente confirmado de febre amarela em uma população não vacinada é considerado como um surto."

Vacina é o mais importante meio de combate à febre amarela; é seguro, eficaz e relativamente barato, sendo uma única dose suficiente para induzir imunidade de longo prazo. Prevenir surtos em áreas afetadas requer cobertura vacinal de ao menos 80% da população.

As recomendações da OMS em países onde há relatos de casos de febre amarela são enfáticas: imunização de toda a população com idade acima de 9 meses (em regiões epidêmicas deve-se vacinar a partir dos 6 meses).

No Brasil, vem sendo empregada estratégia de vacinação de toda a população apenas em regiões onde foram descritos casos suspeitos e/ou confirmados. Como os dados relatados evidenciam rápida progressão da doença, talvez a medida não esteja se mostrando suficiente.

É essencial, ainda, a presença de entomologistas que monitorem a circulação de mosquitos do gênero Aedes e possam identificar neles a presença do vírus da febre amarela. É somente com essa consubstanciação que poderíamos assegurar a real inexistência de transmissão urbana da doença.

ARTUR TIMERMAN, médico infectologista, é presidente da Sociedade Brasileira Dengue/Arboviroses

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