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Carlos Bezerra Jr.: Um grito de dor no meio da multidão

A violência doméstica tem agressor que conhece muito bem a sua vítima

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Ao longo da história da humanidade, muitas vítimas sofreram, gritaram e pagaram com suas próprias vidas até que o mundo se desse conta da necessidade de ouvir e agir em casos de violência contra a mulher.

Apesar de muitos avanços, inclusive nas condições normativas para garantir direitos e punições, estamos longe de resolver uma das piores formas de violação de direitos humanos. Em alguns países, tal situação ainda é respaldada por leis e justificada por culturas milenares.

Bloco carnavalesco desfila pelas ladeiras de Olinda (PE) em forma de protesto,  alertando os foliões sobre a importância do fim da violência contra a mulher
Bloco carnavalesco desfila pelas ladeiras de Olinda (PE) em forma de protesto, alertando os foliões sobre a importância do fim da violência contra a mulher

Escolhi como profissão, de coração, cuidar da vida e da vida que gera vida. Sou ginecologista e obstetra e nos períodos em que trabalhava como plantonista em prontos-socorros foram inúmeros os casos de mulheres violadas e violentadas que chegavam no meio da noite.

A violência doméstica, o abuso sexual e o estupro eram conhecidos não apenas por números e estatísticas assombrosos, mas a partir de histórias relatadas, cotidianamente, por vidas que ficarão marcadas pela agressão física, psicológica e emocional.

Uma vez estive em uma longa conversa com Nadine Gasman, representante do escritório da ONU Mulheres no Brasil, tratando de parcerias para fortalecer o papel da mulher em nossa sociedade, inclusive através da política.

Ela tem uma definição que diz muito a todos nós sobre a maneira distorcida como nos organizamos em sociedade: Nascer mulher define nossa existência social.

Essa afirmação diz respeito não só à violência, ao tráfico e à exploração sexual, a mulheres raptadas, tiradas de suas famílias, privadas de suas próprias vidas, mas também fala da condição da mulher, seja no campo da educação ou no mercado de trabalho e no convívio social.

Campanhas como #MeToo, #NemUmaAMenos e ElePorEla são lançadas no mundo com o objetivo de chamar a atenção para essa calamidade universal, para esse esvaziamento completo do valor da vida e do respeito à pessoa que, além de tudo, impõe normas de conduta à mulher.

A ONU criou uma data, 25 de novembro, para que o mundo possa refletir e debater a eliminação da violência contra as mulheres, mas é no Carnaval que essas violações se acentuam no Brasil.

As denúncias de violência sexual no Carnaval de 2017 aumentaram 87,9% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, do governo federal. Os números levam em conta os atendimentos registrados pela Central de Atendimento à Mulher (Disque 180).

Provavelmente o cenário é ainda pior, dado o grande número de subnotificação nesses casos.

A violência no âmbito doméstico, por exemplo, tem um agressor que conhece muito bem a sua vítima, sabe exatamente como manipulá-la, fazendo com que a mulher tenha vergonha, sinta-se culpada ou até merecedora das agressões.

Quando percebe que há risco de rompimento, o agressor corre para o apelo, garantindo que a violência não se repetirá. Infelizmente, voltará a acontecer. Quase sempre essa violência é silenciada.

Os números disponíveis, de toda forma, compõem um quadro desalentador. No mundo, são mais de 2 milhões de mulheres e meninas vendidas e compradas como escravas sexuais; 15 milhões de jovens, de 15 a 19 anos, que já sofreram abuso sexual; a cada hora, 503 mulheres são vítimas de agressão física no Brasil.

No país, um caso de estupro é notificado a cada 11 minutos 70% das vítimas são crianças e adolescentes.

Quando algumas mulheres erguem suas vozes para dizer "eu também sofri, um coro se junta para chamar esse movimento de onda de denuncismo e exagero numa Hollywood em chamas".

Na verdade, mulheres quebraram o silêncio e tiveram a coragem de denunciar abertamente seus agressores algo que os homens e o business queriam manter em sigilo.

Fato é que nem eu nem você podemos falar por elas, todavia podemos nos juntar a elas para que, como disse a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, "possamos levantar a voz, não para gritar, mas para que aqueles sem voz possam ser ouvidos...". Que assim seja feito, no meio da multidão.

CARLOS BEZERRA JR. é médico, deputado estadual de São Paulo pelo PSDB e presidenteda  comissão de direitos humanos daAssembleia  Legislativa de São Paulo

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