Em meio a recentes rebeliões nas prisões, chacinas, tiroteios e paralisações policiais em Goiás, Rio Grande do Norte, Ceará e Rio, soa repetitivo falar do quão ineficiente é o poder público brasileiro. Em todas as esferas, nossos gestores são incapazes de propor soluções para um cenário de medo e violência que ceifa mais de 61 mil vidas anualmente, sobretudo entre os mais pobres, os negros e os jovens, conforme mostram os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Convivemos com patamares ultrajantes de violência letal e sexual, com policiais que morrem e matam em números assustadores, e presos de mais e punição de crimes violentos de menos. O que sobressai é uma enorme desconexão entre o mundo real, os discursos políticos e as práticas institucionais.
Esse cenário letal é usado como refúgio de interesses corporativos, demagógicos e ideológicos daqueles que exploram o medo da população em defesa de projetos particulares de poder e influência. Guerreamos contra "inimigos internos". E a culpa sempre é do outro; ou da falta de dinheiro, ou do poder do crime organizado.
Por tudo isso, fica difícil acreditar nas cobranças de governadores por mais recursos federais; ou na afirmação de ministros de que a União faz a sua parte e que o problema é a corrupção local ou a má gestão estadual; ou nos discursos indignados e pouco objetivos do Judiciário e de congressistas.
Nessa queda de braço, nenhum lado tem razão, pois quase não há planejamento, coordenação e gestão no setor. Ninguém constrói respostas públicas mais integradas e inteligentes, e poucos aceitam assumir compromissos na segurança. Pior: não há lideranças nacionais, e sobra improviso diante das crises.
O Plano Nacional de Segurança Pública, lançado às pressas pelo governo Temer na sequência da crise prisional de 2017 (e vale lembrar, com 70% das ações requentadas de outros planos), completa um ano sem nenhuma ação prática. Foi apresentado como proposta de maior integração e cooperação na área, mas seus resultados foram um documento de Power Point e o sumiço do Ministério da Justiça do debate sobre o tema.
A pasta perdeu espaço para o Ministério da Defesa, pois as Forças Armadas são recorrentemente convocadas para operações de garantia da lei e da ordem, um expediente bastante perigoso, caro e que está sendo banalizado no país.
Com a desculpa da crise fiscal, o Ministério da Justiça abriu mão da articulação das atividades federais e do papel de coordenador e indutor de ações na segurança pública.
Agora, para evitar prestar contas do que não foi feito, o governo Temer promete uma pasta específica para a área, empurrando o problema à espera de um milagre ou de uma nova crise.
Neste ano eleitoral, temos que nos mobilizar para reduzir a violência no Brasil, sem cair na tentação de propostas irresponsáveis de candidatos a salvadores da pátria. Valentias retóricas e promessas mirabolantes não ajudarão em nada.
É hora de promovermos mudanças cidadãs profundas na atual política criminal e penitenciária e revolucionar a governança do sistema de segurança pública, com um novo e mais efetivo pacto federativo e republicano contra a violência.
O ponto de partida para sairmos dessa mórbida letargia seria o reconhecimento de demandas e esforços de vários segmentos sociais. Apenas argumentos técnicos e racionais não bastarão. Precisamos de lideranças e projetos políticos com capacidade de gerar empatia e oferecer uma perspectiva crível de mudança. Vamos tentar?
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