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Stéphanie  Habrich: Preparar as crianças contra as "fake  news"

Se perdermos a nova geração para as "fake  news", que líderes formaremos e o que eles farão pelo país?

Stéphanie Habrich

A propagação de notícias falsas já mostrou seu poder de influenciar eleições e dividir sociedades, potencializando preconceitos e ódios. Que efeito terá em crianças e jovens que não receberam uma formação para a leitura de notícias?

Sem entender o que se passa ao redor, as crianças não se sentem parte da sociedade. Elas ouvem, principalmente pela televisão, e leem na internet o que está circulando no momento. Percebem quando algo de grave ocorre, até porque podem viver em casa o problema estampado nas manchetes dos jornais, como o desemprego dos pais.

Já ouviram falar de "fake news", mas não sabem em quem confiar nem como identificar a credibilidade de uma informação.

As marcas de grandes veículos de comunicação não significam muito quando as crianças são questionadas a distinguir notícias falsas das reais. Os fatos que parecem absurdos, principalmente os vindos do universo da política, não as chocam. Diferenciar informação de opinião é difícil para elas.

Como muitos adultos também se mostram incapazes de detectar uma notícia falsa, as crianças acabam muitas vezes sem orientação. Ficam à margem do debate.

Encontra-se aí um grave problema: se elas não tiverem formação para ler notícias e não exercitarem o senso crítico para se protegerem de informações mentirosas, iremos perder uma geração inteira que poderia (e deveria) promover as mudanças que tanto queremos.

Escalada de notícias falsas na internet
Escalada de notícias falsas na internet - Reprodução

As crianças são curiosas por natureza e querem se informar. Além disso, têm o direito de acesso às mídias e de participação no debate público assegurado pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1989 e assinada pelo Brasil em 1990.

Há mais de uma década edito periódicos destinados ao público infantojuvenil. Um deles é o jornal "Joca", que trata, quinzenalmente, dos principais assuntos da mídia em uma linguagem adequada aos jovens e às crianças.

A experiência mostra que, tendo acesso a notícias adequadas aos seus repertórios e contextualizadas, sentem-se parte da sociedade e tornam-se mais autônomas.

Em várias ocasiões, impressionei-me com o protagonismo dos leitores mirins. Crianças de uma região carente do interior de São Paulo, que leram os textos sobre a crise dos refugiados sírios no "Joca", organizaram um brechó com suas próprias roupas e entregaram o dinheiro a algumas famílias de refugiados que estão no Brasil.

Outras mobilizaram-se para organizar uma olimpíada, após terem lido sobre o problema da obesidade infantil no Brasil. Algumas explicaram o impeachment aos seus pais. Alunas também doaram seus cabelos para campanhas de crianças com câncer.

O problema das "fake  news" é mais grave do que se imagina. Caso não seja combatido desde a base, teremos crianças e jovens deixando de ler ou descrentes até de veículos com credibilidade.

Isso os deixará paralisados, sem saber como agir e vulneráveis a toda espécie de manipulação.

Jovens e crianças bem informados entendem o que se passa ao redor, formam as próprias opiniões e se tornam cidadãos críticos e ativos. Lutam por seus direitos, cumprem seus deveres e têm as ferramentas necessárias para construir um futuro melhor para o nosso país.

Não há maneira de controlar o que nossos filhos leem ou veem o tempo todo, mas podemos incluí-los no debate, compartilhar e discutir notícias com eles, ensinando-os a buscar fontes confiáveis e a exercitarem o senso crítico.

Se perdermos essa geração para as "fake news", que líderes teremos e o que eles farão pelo Brasil daqui a 20 anos?

STÉPHANIE HABRICH é fundadora e sócia-diretora da Magia de Ler, organização que produz o jornal Joca, voltado para jovens e crianças

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