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Cristiane Schmidt: Pela boa coordenação contra os cartéis

Foi relevante o passo dado pelos órgãos de controle e MP com o propósito de diminuir a insegurança jurídica de delações e acordos de leniência 

A conselheira do Cade Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt posa para foto em seu escritório em 2016
A conselheira do Cade Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, em foto de 2016 - 20.set.16 - Assessoria de Comunicação Social/Cade

Se a pior conduta anticompetitiva para a sociedade é a ação coordenada entre concorrentes (cartel), a pior situação para as empresas é a falta de coordenação entre órgãos de governo no tocante aos acordos de leniência/delação premiada. Coordenar, assim, pode ser bom.

Trata-se de punir as empresas de forma dissuasória, sem, contudo, levá-las à bancarrota. Nesse contexto, além da dissuasão, o Estado deve buscar dar segurança jurídica àqueles que delatam o cartel.

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem programa de leniência desde 2001, que hoje é sólido e crível.

Seu objetivo é desvendar cartéis e obter provas para condená-los mais eficientemente. Atualmente, este se assemelha aos melhores "benchmarks" (referências) no mundo, sendo, assim, exemplo para qualquer órgão público que intencione implementar programa semelhante. É o que tem ocorrido.

Até 2014, só o Cade (no âmbito administrativo) fazia ditos acordos —com pessoa jurídica (PJ) e pessoa física (PF)— com o Ministério Público (MP) ou a Polícia Federal. A partir de 2014, todavia, com a Lei Anticorrupção, a CGU (Controladoria-Geral da União) passou a fazer acordos de leniência (PJ).

O TCU (Tribunal de Contas da União), ainda que não tenha instrumento legal que o permita fazer tais acordos, participa indiretamente, por homologar aqueles pactuados pela CGU. Em tese, se o TCU não validar ditas leniências, esse pode punir empresas que revelaram os detalhes do ilícito à CGU. Além disso, a AGU (Advocacia-Geral da União) também passou a fazer leniência.

Observam-se dois pontos. O primeiro é que, como cartel em licitação pública traz dano ao erário, o TCU e a AGU já podiam atuar antes de 2014. O segundo é que a delação premiada (PF), que ocorre na esfera penal, apesar de prevista desde os anos 90 (lei de crimes hediondos), só passou a ter relevância em 2014. Ou seja, foram os casos de corrupção que alteraram o statu quo.

Se por um lado é alentador ter diversos entes governamentais zelando pelo bem-estar dos brasileiros, por outro, se não houver coordenação entre estes, as empresas infratoras (pelas leis da concorrência, anticorrupção e criminal) que quiserem colaborar com o Estado podem ficar inseguras em delatar num órgão e serem punidas por outro.

A boa notícia é que a AGU, a CGU, o TCU e o MP se uniram objetivando coordenar ações nessa seara. As empresas, assim, passarão a ter a garantia desejada.

Delação premiada e acordo de leniência são instrumentos baseados em confiança. Foi deveras relevante, assim, o passo dado pelos órgãos de controle e pelo MP com o propósito de diminuir a insegurança jurídica.

Seria oportuno incluir o Cade nesse grupo, que, com a sua expertise e treinamento em antitruste, poderia ser responsável por calcular o dano causado, tanto à sociedade quanto ao erário. Mais ainda: como o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) passaram a partir de 2017 a poder fazer leniência, incluí-los seria adequado.

Essa boa coordenação entre entes estatais certamente ajudará a combater e a punir a prejudicial coordenação entre empresas concorrentes. Que essa bem-vinda ação sirva de exemplo. Reduzir insegurança jurídica é fundamental.

Cristiane Alkmin J. Schmidt

Doutora em economia pela FGV e ex-secretária-adjunta da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (1999-2003, governos FHC e Lula), é professora da FGV e conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)

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