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Edson Vismona: A lei não é para todos

O mercado da falsificação e do contrabando ignora o Estado, as leis e as normas técnicas, numa concorrência desleal para as empresas sérias

Policiais militares conversam ao lado da traseira de um caminhão com cigarros contrabandeados, vindos do Paraguai
Em Campinas, PM apreende carregamento de cigarros contrabandeados vindos do Paraguai - Denny Cesare/Codigo19/Folhapress
Edson Vismona

Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, com dados até o dia 30 de setembro de 2016, revela que União, estados e municípios editaram 5,47 milhões de normas desde a promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Pode parecer incrível, e é: para que o leitor tenha ideia do que isso representa, foram 535 leis, decretos, medidas provisórias, normas complementares ou emendas editadas por dia, em média. O levantamento aponta ainda que, no período analisado, a União editou 163 mil normas; os estados, 1.460.985; e os municípios, 3.847.866.

Esse afã de regulamentar tudo e todos traz algumas consequências importantes e graves para o país. Por um lado, a verdade é que uma parte do mercado se adapta e segue as leis, decretos e normas.

Todas as empresas sérias, naturalmente, procuram se informar para obedecer aos regulamentos vigentes, ainda que isso gere custo. Não é coincidência que no Brasil as empresas são as campeãs mundiais em horas despendidas para o atendimento das exigências fiscais: 2.600!

Outra parte do mercado, o ilegal, no entanto, simplesmente ignora o Estado, os decretos, leis, normas técnicas ---e solenemente, sem qualquer receio das consequências que essa postura pode acarretar. E por que a falta de receio? A resposta é simples: o poder público não tem estrutura fiscalizatória que dê conta de controlar esse emaranhado de legislações ---aliás, parte delas conflitante entre si. 

Com isso, cria-se uma distorção sistêmica grave: quem obedece à legislação tem uma desvantagem concorrencial básica. Esse aspecto, inclusive, deve ser objeto de uma reflexão profunda dos nossos governantes: se as agências reguladoras ---todas elas, sem exceção, Anac, Anatel, ANP, Aneel, Anvisa etc--- não realizam a contento as suas atividades, essa atuação reguladora precisa ser imediatamente revista, reforçando a ação fiscalizadora, fortalecendo a postura eminentemente técnica e o aumento dos recursos destinados para essa ação.
 
E o que na prática significa a concorrência desleal? Quais são as suas consequências? No fim do processo, temos dois mercados paralelos: o que se pauta pela legalidade e o puramente ilegal, construído a partir da sonegação de impostos e tributos, do contrabando de produtos do exterior ---vendidos sempre com margens estratosféricas de lucro---, da falsificação e da pirataria.

Quem burla as regras acaba lesando o consumidor: o cigarro que vem do Paraguai não passa pelas exigências mínimas da Anvisa; o mesmo ocorre com os medicamentos e produtos relacionados à saúde e lâmpadas, eletrodomésticos e brinquedos que não atendem aos regulamentos do Inmetro.

Exemplos como esses são reais e afetam cadeias de produção inteiras em evidentes prejuízos à saúde dos brasileiros, à leal concorrência e ao erário. No caso do cigarro, o produto mais contrabandeado do Brasil, por exemplo, as perdas com a sonegação fiscal chegaram a quase R$ 10 bilhões em 2017. 

Além da sangria nos cofres públicos, as empresas que trabalham na legalidade são diretamente afetadas e precisam se ajustar a essa realidade; em outras palavras, o mercado ilegal afasta investimentos e tira empregos e renda dos brasileiros, afetando diretamente a geração de riqueza no país.

O grande nó da questão é que a fiscalização do mercado ilegal é muito deficiente, situação piorada pelo excesso de alterações e novas normas, o que traz insegurança jurídica e pode modificar as jurisprudências dos tribunais, gerando muitas dúvidas na condução dos negócios. Já seria difícil fiscalizar um ambiente de regras claras e perenes. O que dizer de uma situação em que as regras mudam o tempo todo?

Para entrar na trilha do desenvolvimento sustentado, o Brasil não precisa de leis novas a todo instante; necessita muito mais de tranquilidade institucional, de controles rígidos e de maior fiscalização. O mercado legal e o consumidor brasileiro merecem respeito.

EDSON VISMONA é presidente do Etco (Instituto de Ética Concorrencial) e do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade)

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