Muhammad Yunus, criador do microcrédito e vencedor do prêmio Nobel da Paz, descreve a agonia de Sufiya Begum, artesã bengali. Ela não tem como pagar a matéria-prima para seu artesanato e recorre a um atravessador, que compra sua produção por preço vil.
Histórias assim também ocorrem com as Marias do Brasil. Nossas empreendedoras mais frágeis são forçadas a obter financiamento com atravessadores e agiotas.
Em “Salvando o Capitalismo dos Capitalistas”, Raghuram Rajan e Luigi Zingales mostram que, em países como Bangladesh e Brasil, o sistema financeiro serve mal às Sufiyas e Marias porque faltam informação e competição.
Para o mercado de crédito funcionar bem, é preciso que o risco de conceder empréstimos seja baixo.
Se não há informação que comprove que o devedor paga suas contas em dia, o credor não consegue avaliar o risco de calote e conceder empréstimos a juros mais baixos. Prevalecem o atravessador e o agiota, que conhecem pessoalmente os tomadores e têm mecanismos muitas vezes ilegais de recuperação de calote.
Rajan e Zingales escrevem: “Sufiya não consegue crédito a uma taxa razoável porque não há agências que coletam, armazenam e disseminam informação sobre o histórico de crédito dos tomadores; há pouca competição entre credores”.
A falta de informações sobre o histórico de crédito afeta especialmente os mais frágeis, já que os ricos têm bens para colocar como garantia. A falta de crédito amplia a injustiça do “dinheiro gera dinheiro e pobreza gera pobreza”.
Tramita no Congresso um projeto de lei que corrigirá a fragilidade da ausência de informação sobre histórico de crédito: o aperfeiçoamento do Cadastro Positivo.
Trata-se de um repositório que coleta e dissemina informações sobre tomadores de crédito. O termo positivo se refere à inclusão do histórico de bom pagador do cliente.
Nesse cadastro, computa-se a nota de crédito do cidadão. Quanto mais responsável ele for ao pagar suas contas, melhor a nota, que é disseminada para bancos, fintechs e lojistas que oferecem crediário.
Reduz-se o risco de emprestar —e, com ele, as taxas de juros. Ter uma nota de crédito permite que os mais frágeis escapem dos atravessadores e dos agiotas. É a democratização do crédito.
O Cadastro Positivo já existe, mas não decolou. Na forma atual, a entrada no programa demanda a autorização prévia do cliente. A inércia, a desinformação, a burocracia e o custo de ir até um birô de crédito para solicitar a inclusão fazem o cidadão não agir.
Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões cadastrados. O projeto de lei altera a lógica atual. Todos farão parte do cadastro, a não ser que expressem sua vontade de não participar.
Hoje, na prática, utiliza-se apenas o cadastro negativo: se dentre inúmeros financiamentos e contas o cliente deixou de pagar só um, ele já sofre restrição de crédito.
Com a nova lei, a informação negativa se tornará apenas um ponto em um universo muito maior de informações. Será possível mostrar que aquele não pagamento foi somente um episódio, e que o indivíduo pagou outras contas em dia.
Será mais fácil distinguir o mau pagador contumaz daquele que teve apenas dificuldades esporádicas. É um contrassenso que seja mais difícil disseminar as informações de bom pagamento.
Além de diminuir o risco de conceder empréstimos, a mudança aumentará a competição no mercado. Hoje o histórico de crédito do cliente é propriedade do banco em que ele tem conta. O Cadastro Positivo permitirá que essa informação chegue às Fintechs e a outros competidores, que disputarão em melhores condições com os bancos grandes. O aumento na competição derrubará os juros e aumentará a oferta de crédito.
Estudos da OCDE e do Banco Mundial comprovam que o bom funcionamento do Cadastro Positivo produziu crédito mais farto e barato em outros países, principalmente para os clientes mais pobres.
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