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O jogo da Rússia

Putin reforça a seu eleitorado a imagem de que o país não se curva às potências ocidentais

Vladimir Putin, recém-eleito presidente da Rússia - Alexei Druzhinin/Associated Press

Reveste-se de inegável peso simbólico a decisão tomada por 29 países de expulsar cerca de 150 funcionários do corpo diplomático russo após a deflagração de uma crise entre o Reino Unido e Moscou.

Justamente por se limitar à simbologia, entretanto, a ação multilateral em quase nada pressiona o governo de Vladimir Putin a mudar seu “modus operandi” no trato com as nações do Ocidente.

Gatilho da tensão entre britânicos e russos, a aparente tentativa de assassinar o ex-espião Serguei Skripal e sua filha, Iulia, em solo inglês, constitui grave episódio, a começar pela evidência do uso de uma substância química banida por convenção internacional.

A investigação aponta para uma provável participação russa, cujo Estado teria interesse em eliminar um homem que servia de agente duplo durante a Guerra Fria.

Não parece ser coincidência, aliás, o caso de Alexander Litvinenko, ex-membro da inteligência de Moscou que desertou para o Reino Unido e morreu por envenenamento em 2006, após se contaminar com a substância polônio-210.

A Rússia sempre negou envolvimento nesse crime, tal como agora, mas tem desdenhado de pedidos britânicos por mais explicações. Justifica-se, assim, uma medida retaliatória, amplificada pelo apoio de outros aliados.

A retórica e a prática agressivas de Putin no campo externo, contudo, não cessarão caso a resposta se restrinja à retirada de diplomatas. O recém-reeleito presidente, por sinal, usa a suposta “histeria russofóbica” para reforçar a seu eleitorado a conveniente imagem de que o país não se curva às potências ocidentais.

Existem formas mais eficazes de incomodar o governo russo, como congelar os bens que oligarcas próximos ao Kremlin possuem na Europa. Trata-se, por exemplo, de cartada à disposição da primeira-ministra britânica, Theresa May.

Aprofundar as sanções implica, porém, incitar Moscou a se valer de suas armas dissuasórias. A mais conhecida é ameaçar rever o fornecimento de gás natural, do qual boa parte dos habitantes da União Europeia depende para aquecer seus lares durante o inverno.

Pesa, ainda, a notória tibieza de Donald Trump em se posicionar sobre as suspeitas em torno do mandatário russo.

À medida que avança a apuração referente à possível interferência do Kremlin nas eleições de 2016, consolida-se a impressão de que o líder americano tem a perder caso desagrade a Putin. Este, então, sente-se autorizado a jogar de acordo com suas regras.

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