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O projeto que tipifica o crime de importunação sexual é adequado? SIM

Não aceitaremos ser importunadas!

Imagem de ônibus em que um homem ejaculou sobre uma mulher na avenida Paulista, em agosto de 2017
Imagem de ônibus em que um homem ejaculou sobre uma mulher na avenida Paulista, em agosto de 2017 - Reprodução/TV Globo
Marina Ruzzi

Muito se fala da impunidade e da baixa efetividade dos crimes contra a dignidade sexual no Brasil. Em um país em que 99,6% das mulheres afirmam já ter sofrido assédio sexual na rua, em uma cidade onde o Metrô afirma haver ao menos quatro denúncias formais de assédio por semana, fica claro que o direito não está oferecendo uma resposta à altura para proteger suas cidadãs e punir seus assediadores.

Apesar dos sensíveis avanços nos debates acerca da cultura do estupro, ainda nos deparamos com muita naturalização desse tipo de comportamento. A dignidade sexual das mulheres não pode ser relativizada. 

Nossos corpos não são públicos, e qualquer tipo de constrangimento nesse sentido deve ser condenado pelo Estado, até mesmo para poder cumprir o que foi determinado seja pela Constituição, seja em tratados internacionais, como a Convenção Belém do Pará, que determina que o país deve tomar todas as medidas cabíveis, inclusive legislativas, para prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra as mulheres.

Claro está que a legislação atual é mais do que insuficiente para proteger suas cidadãs, razão pela qual até mesmo o homem que cometeu o grotesco ato de ejacular no pescoço de uma passageira num ônibus em São Paulo saiu praticamente ileso dos tribunais, gerando grande inconformismo na opinião pública.

Porém, o que poderia ser feito se não temos leis que de fato amparem o Judiciário para condenar esse tipo de conduta?

O tratamento legal que temos hoje apresenta um grande hiato entre o crime de estupro ---que é hediondo, imprescritível, com uma pena bastante elevada--- e os demais tipos de violência sexual contra a mulher, o que acaba fazendo com que as já poucas denúncias realizadas nem cheguem a ser enquadradas como algum crime. Afinal, para que seja configurado o crime de estupro, é absolutamente necessário que o agressor tenha se utilizado de violência ou grave ameaça para constranger a vítima.

E para as diárias importunações que acontecem nos locais públicos, em que a vítima nem chega a ter tempo de reagir diante das investidas ou palavras do assediador?

Resta a nós, operadoras do direito comprometidas, uma figura praticamente abandonada da Lei de Contravenções Penais, de nome de difícil memorização: importunação ofensiva ao pudor, que pode gerar, no melhor dos casos, uma insignificante multa.

A ideia de tipificar essa conduta não vem de simples desejo punitivista nem de populismo penal frente às reivindicações populares pelo fim da cultura do estupro e pela igualdade de direitos. Vem como conquista do movimento de mulheres para garantir reconhecimento.

Mediante a aprovação do projeto de lei que busca criminalizar a importunação sexual, estamos afirmando que, para essa nova sociedade que estamos construindo, é inaceitável todo tipo de conduta que busca reduzir a mulher a mero objeto, aquela surdez seletiva que não quer entender que "não é não", bem como o (esperamos) moribundo entendimento de que o corpo da mulher é público.

O que se deseja não é que lotemos cadeias com assediadores. Ao contrário, busca-se com isso alterar a realidade, oferecendo recursos para que as mulheres possam se resguardar e se sentir mais seguras nas cidades em que habitam, sem receio de se locomover e de frequentar espaços. Uma lei não tem poder de fazer isso sozinha, claro. Mas é um primeiro e necessário passo.

MARINA RUZZI, advogada, é sócia da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas e membra da Rede Feminista de Juristas

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