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Ricardo Glasenapp e Marcelo Machado: A magistratura em greve

Não há como se fiar no argumento de que os juízes teriam esse direito apenas porque, aparentemente, a Constituição não o veda

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, fala no Senado, em 2017; entidade está entre as que convocaram a greve dos magistrados nesta quinta (15)
Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, fala no Senado, em 2017; entidade está entre as que convocaram a greve dos magistrados nesta quinta (15) - Edilson Rodrigues/Agência Senado
Ricardo Glasenapp e Marcelo Machado

Juiz não pode fazer greve. Como órgão de poder, juiz não pode fazer greve. Não estamos aqui nem sequer questionando os motivos de tal paralisação; estamos nos restringindo unicamente à questão jurídica da possibilidade de greve.

E a Constituição Federal é muito clara, em seu artigo 92, ao afirmar que são seus órgãos o Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; o Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Portanto, inequívoco é, analisando o artigo constitucional, que juiz é órgão; logo, não é servidor público.

Tal distinção acarreta algumas implicações práticas, como o fato de somente servidor público civil poder ter sindicato; logo, juiz, sendo órgão, não pode ter sindicato. Assim como, agora já entrando no cerne da questão, servidor público pode realizar greve, o que juiz não pode fazer exatamente por ser órgão, e não ser servidor público.

Vale ressaltar que a Constituição Federal não veda de forma expressa a possibilidade de juiz fazer greve, mas não podemos nos dar ao luxo de se fiar em uma regra de hermenêutica, que lhes conferiria exercer o direito de greve porque, aparentemente, a Constituição Federal não veda esse direito.

O fato é que a Constituição não veda o direito de greve para os representantes de Poderes, porque o constituinte originário nem sequer supôs, ao contrário dos servidores públicos, na forma do artigo 37, VII, a possibilidade de exercício de direito de greve por quem faz presente o Estado. Trata-se do chamado "silêncio eloquente", em que o comando vedatório está suposto na norma jurídica, sem necessidade de estar explicitamente previsto.

É por isso que servidores militares também têm vedado esse exercício, na forma do artigo 142, IV, da Constituição, pois são servidores públicos, ainda que de outra categoria, o que poderia fazer com que eles suscitassem a aplicação do inciso VII do artigo 37 no caso de omissão constitucional. Mas não.

A singeleza da exposição ora apresentada é rasgada agora pela decisão da magistratura federal, que pretende cruzar os braços para pleitear direitos; faz isso, porém, de forma inconstitucional.

Resta-nos suplicar para que os juízes federais se atentem às suas responsabilidades jurídicas e sociais e não cometam esse desatino, conforme decidido por sua categoria.

​RICARDO GLASENAPP, doutor em direito constitucional pela PUC-SP, é professor de direito público na Uninove e coordenador acadêmico do Iela (Instituto de Estudos Legais Avançados) MARCELO MACHADO, mestre em direito e sócio do escritório Ferreira & Machado Advogados Associados, é professor da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro

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