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Você está demitido

Queda de secretário reforça a impressão de que Trump conduz a diplomacia sem dividir decisões

Rex Tillerson após ser demitido por Donald Trump do cargo de secretário de Estado
Rex Tillerson após ser demitido por Donald Trump do cargo de secretário de Estado - Leah Millis/Reuters

Argumentos não faltam, decerto, para descrever Donald Trump como um homem de temperamento imprevisível. A retirada de Rex Tillerson do comando do Departamento de Estado, contudo, se enquadra entre as medidas menos surpreendentes já tomadas pelo presidente dos EUA, dado o evidente descompasso entre os dois.

Antes alto executivo da indústria petrolífera, Tillerson foi nomeado sob a expectativa de que aplicasse a experiência de gestor no trato com os outros países. Em pouco tempo, percebeu-se que não conseguiria lidar com a visão muito particular do chefe sobre diplomacia.

Amiúde, o agora ex-secretário se via desacreditado por expor sua opinião acerca de um tema externo e, em seguida, deparar-se com Trump dando declarações públicas no sentido oposto. Assim foi no caso do acordo nuclear com o Irã e, principalmente, no tocante às negociações com o regime do ditador norte-coreano, Kim Jong-un.

Outrora, para o republicano, era perda de tempo tentar dialogar com Pyongyang, como defendia seu subalterno. Depois, partiu do próprio presidente a iniciativa de aceitar se reunir com Kim, sem consultar aquele que, em tese, seria o intermediador natural.

Em que pese a dificuldade de trabalhar para um líder avesso a compartilhar decisões, Tillerson deixa o posto sem ter muito de positivo a apresentar. Nas questões em que Trump não o atropelou, o saldo afigura-se decepcionante.

Tome-se o exemplo da guerra civil na Síria, amplamente manejada no front externo pela Rússia, que apoia o ditador Bashar al-Assad. A inação diplomática torna improvável que um eventual desfecho desse conflito atenda aos interesses americanos. 

Quando se mostrou propositivo, Tillerson tampouco trouxe alguma contribuição. Ao opinar sobre a crise política na Venezuela, deu a entender como possível solução uma intervenção militar para derrubar o ditador Nicolás Maduro.

Trata-se de uma opção fadada a recrudescer a instabilidade do país caribenho, corretamente rejeitada pelo governo brasileiro e pelos demais vizinhos na região.

A despeito desse desempenho pouco animador, a troca no Departamento de Estado reforça a imagem de volatilidade em torno do gabinete de Trump.

Seus integrantes entram e saem ao sabor das convicções do chefe, que ainda parece encarnar o apresentador de reality show com o  qual ganhou fama repetindo um bordão: “Você está demitido”.

Tal cenário traz incertezas não só para os americanos, mas para toda a comunidade internacional, que espera um grau mínimo de coerência e previsibilidade da nação mais poderosa do mundo —especialmente no campo da diplomacia.

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