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Wilson Modesto Pollara e Maria da Glória Zenha: A evolução das AMAs ao longo do tempo

Com a reorganização, as 108 AMAs não fecharão as portas e manterão atendimento como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Centros de Especialidades ou mesmo UBS equipadas com equipes de Saúde da Família

Vista geral da recepção da antiga AMA Castro Alves, na zona leste de São Paulo
Vista geral da recepção da antiga AMA Castro Alves, na zona leste de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

"Os números não batem", afirmam os ex-secretários municipais Andrea Matarazzo e Januario Montone, em artigo publicado nesta Folha (20/3) para criticar a reestruturação do sistema de saúde que a atual gestão tem debatido com a população.

E é justamente por números que não batem que a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo deu início à reestruturação que irá incrementar serviços e ampliar atendimentos, mediante otimização de recursos.

Antes de prosseguir, é preciso deixar claro que não serão fechadas unidades de saúde, nem mesmo os Ambulatórios Médicos Assistenciais (AMA).

Para explicar os detalhes da reestruturação proposta por esta gestão, cabe um parêntese: como bem lembram os ex-secretários, as AMAs do tipo 12 horas, que só existem na capital paulista, foram implementadas entre os anos de 2005 e 2008.

Sem dúvida, naquela época, havia uma razão para que este tipo de equipamento de saúde fosse criado, no modelo “porta aberta”, com atendimento de demanda espontânea em urgência e emergência. Na ocasião, não havia número suficiente de equipes de saúde da família na rede municipal.

 Com o total de equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) —modelo preconizado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de reorganização da Atenção Básica no País, de acordo com os preceitos estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)— sendo gradativamente ampliado ano a ano, as AMAs, em seu modelo atual, não se fazem mais necessárias.

De acordo com os números apresentados pelos ex-secretários, as AMAs são responsáveis por 7,2 milhões de consultas anuais em casos de urgência e emergência de menor complexidade. Tal quantitativo é uma exorbitância. Os estrondosos números de atendimentos resultam em consultas de baixa resolutividade, sem a devida continuidade ou acompanhamento médico, o que leva a novas consultas e reconsultas, sem solução do problema do paciente e onerando ainda mais a administração pública com pouca eficiência.

Mas é preciso compreender que, em sua concepção original, a AMA tinha como propósito realizar atendimento de portas abertas sem limitação de área geográfica. Hoje, a sua atuação está restrita à área de abrangência da Unidade Básica de Saúde (UBS).

Ou seja, seguimos investindo nas AMAs o mesmo recurso do passado, porém com uma demanda mais restrita. É importante lembrar que as UBS, além de atuar com equipes de saúde da família, têm condições de solucionar casos de urgência e emergência de baixa e média complexidades.

Um médico de saúde da família consegue resolver, em média, 85% dos problemas de saúde da população em diversas áreas como pediatria, puericultura, pré-natal, ginecologia, geriatria etc.

Diante de tal quadro, a reorganização e a reestrutura que estão em curso se fazem urgentes para corrigir um modelo de atendimento à população que não tem cumprido o seu papel como deveria. Hoje, as AMAs oferecem tratamento sintomático, sem diagnóstico, ao passo que o médico de Saúde da Família conhece o paciente, sua casa, histórico familiar e condições sociais. Dessa forma, realiza melhor diagnóstico e prevenção, além de estabelecer um vínculo de proximidade e confiança na relação médico-paciente.

Nosso objetivo é ampliar e melhor atender a população que depende do Sistema Único de Saúde, estimada atualmente em 6,5 milhões de pessoas. Cada equipe de Saúde da Família tem sob sua responsabilidade entre 3.000 e 4.000 pacientes. Hoje, a rede dispõe de 1.331 equipes. Em uma conta simples, com mais 300 equipes de Saúde da Família, chegando-se a um total de 1.620 equipes, será possível cobrir toda a população que depende do sistema público de saúde no município.

É surpreendente que o ex-secretário municipal de Saúde Januário Montone apresente em seu artigo números tão distorcidos, já que obviamente não se pode utilizar como base de cálculo toda a população da cidade. Neste caso, seria necessário levar-se em consideração também toda a rede complementar de saúde do município, como consultórios, clínicas e hospitais privados.

Para nos atermos às contas, os ex-secretários concluem, de forma equivocada, que “a real motivação do fechamento das AMAs é orçamentária”, com o objetivo de reduzir o percentual atual de gastos em saúde para 15%, índice desembolsado em 2005. Mais uma vez, os números apresentados pelos missivistas não se sustentam: a Prefeitura de São Paulo está empenhando, em 2018, R$ 10,8 bilhões, de um orçamento total previsto de R$ 55 bilhões, para a área de saúde. O que equivale a um índice de 19%, acima dos 15% citados ou mesmo dos 18,5% do período de estabilização a que se referem os ex-secretários.

Com a reorganização, as 108 AMAs não fecharão as portas e manterão atendimento como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Centros de Especialidades ou mesmo UBS equipadas com equipes de Saúde da Família. Ao todo, estão previstas ao menos 40 unidades de atendimento de casos de urgência e emergência no município, disponibilizando 3.000 médicos em diversas especialidades, conforme a necessidade da população de cada região.

É importante frisar que não faltam recursos financeiros ou humanos. Tampouco falta estrutura. De 2004 para 2018, a população cresceu, o município ampliou suas fronteiras, as exigências aumentaram. Por isso, não é possível olhar para trás. É preciso encarar desafios, promover adequações às novas realidades e coragem para implementá-las.

Wilson Modesto Pollara

Graduado pela Faculdade de Medicina da USP em 1973 e diretor-executivo do Instituto Central do Hospital das Clínicas entre 2011 e 2013 (governo Alckmin), é secretário municipal de Saúde de São Paulo

Maria da Glória Zenha

Graduada em medicina pela USP (1973), é secretária-adjunta municipal de Saúde de São Paulo

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