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A relíquia

Congresso aprova lei que flexibiliza as regras para a transmissão do programa A Voz do Brasil

O presidente da República, Michel Temer, durante a cerimônia na qual sancionou a lei que flexibiliza o horário de veiculação do programa A Voz do Brasil
O presidente da República, Michel Temer, durante a cerimônia na qual sancionou a lei que flexibiliza o horário de veiculação do programa A Voz do Brasil - Ueslei Marcelino/Reuters

Costuma-se dizer que o Brasil é país sem memória e que suas tradições políticas encontram escasso enraizamento no dia a dia da população. O fenômeno talvez tenha uma contrapartida, menos notada. 

Tanto quanto esquecimento, há inércia nas instituições e na cultura cívica, fazendo com que o arcaísmo permaneça na mesma medida em que se ignora o passado. 

Bom símbolo disso é o programa radiofônico oficial, A Voz do Brasil, transmitido obrigatoriamente, das 19h às 20h, desde janeiro de 1938 —de início com o nome de A Hora do Brasil.

A relíquia da ditadura Vargas persiste —e é ignorada pela grande maioria dos cidadãos.

O noticiário governista, a que se sucedem excertos de pronunciamentos sem nenhuma importância do baixo clero parlamentar, ocupa uma hora inteira de uma faixa de alta audiência do rádio brasileiro, atraindo apenas os fãs do paroquialismo, do bizarro e da efeméride. 

Com vigorosa resistência —confirmando a preferência de parcelas do governismo e da oposição pelo atraso corporativista—, o Congresso aprovou uma lei que flexibiliza as regras para a transmissão do programa octogenário.

Confirma-se, assim, o conteúdo de medidas provisórias anteriormente editadas pelos presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), autorizando que as emissoras possam escolher, entre as 19h e as 22h, o momento de iniciar o seu pedágio radiofônico.

Há tempos, alguns veículos obtiveram liminares para difundir A Voz no horário que mais lhes conviesse, preenchendo com temas de maior interesse do público a faixa reservada à comunicação oficial.

Veio da Presidência da República, em 2014, o tímido aperfeiçoamento que agora se confirma. Justificou-se, na época, por uma razão que não será desinteressante mencionar: a Copa do Mundo.

Cortar o noticiário sobre a seleção para transmitir o programa chapa-branca seria, com certeza, exagero de lesa-pátria que nenhum burocrata estaria disposto a cometer. Por inércia, manteve-se a autorização na Olimpíada. 

Talvez, numa última tentativa, alguém se disponha a tombar o programa como parte do patrimônio imaterial da cultura brasileira. Menos mal, por enquanto, que possa ocupar outros nichos de horário, na congestionada memória de nossos cacarecos estatais.

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