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Alexandra Loras e Ricardo Vita: 'Pantera Negra', um filme que reabilita a imagem do negro

Sucesso deve-se à qualidade do seu cenário e à inabitual composição do seu elenco, principalmente com atores negros, para um "blockbuster" de Hollywood

Além de ser um inegável sucesso financeiro (receita de US$ 1,23 bilhão em seis semanas, e 12ª maior bilheteria mundial de todos os tempos), o verdadeiro sucesso do filme "Pantera Negra" deve-se à qualidade do seu cenário e à inabitual composição do seu elenco, principalmente com atores negros, para um "blockbuster" de Hollywood.

Não é por acaso que o filme é um evento cultural e histórico. Primeiro, porque afirma uma nação africana forte e independente. Segundo, porque o seu herói veicula uma mensagem de tolerância e de paz. Isso intriga e universaliza o filme.

Por outro lado, podemos felicitar Hollywood por ousar pela primeira vez representar os negros num monóculo reverente. Ousou sobretudo, e admiravelmente, abordar as relações entre os africanos do continente e os da diáspora, colocando questões raramente tratadas no cinema.

Por exemplo, as legítimas reivindicações do cativante Killmonger fazem-nos gostar dele a ponto de esquecermos que ele é o vilão do filme. Pois, logo no inicio da película, o perfeito vilão coloca a antiga e persistente questão sobre as reparações devidas aos negros, quando vai ao museu para reaver os objetos de arte africana roubados pelos colonialistas durante a colonização.

O filme também recorda que a mulher africana é um modelo vivo de coragem e que ela já marcou a história do poder humano. Com as mulheres do filme, revisitamos as glórias da África, que outrora foi liderada por mulheres; as Candaces do Reino de Cuxe, a rainha-faraó Hatshepsut, a Makeda, a rainha de Sabá ou, mais recentemente, a rainha Nzinga e a profetisa Kimpa Vita.

Na verdade, antes da introdução do islã e do cristianismo na África, as regras de sucessão aos tronos dos reinos e impérios respeitavam geralmente a lei matrilinear; os homens eram porta-vozes das mulheres, e elas tinham o verdadeiro poder real. Assim, o poder nunca se afastou das mulheres, pelo contrário, construía-se através delas.

Para os negros do mundo, este filme é um símbolo importante. Eles sentiram, pela primeira vez numa tal dimensão no cinema, o orgulho de serem representados digna e heroicamente. Redescobriram uma civilização africana nobre e singular, uma África que se afasta do eterno ponto de vista caricatural e viram uma África que sublinha um ponto de vista negro e sutilmente crítico.

Esta África liga-os àquela dos ancestrais, na qual as tradições, os rituais, a linguagem e os costumes estão desinibidos do olhar externo julgador e rompem com a suposta fatalidade que pesa sobre os negros.

Nesse sentido, o filme é uma revolução cinematográfica, na medida em que põe no palco principalmente atores negros numa narrativa heroica inspirada do universo africano. Aliás, não se percebe por que é que os sotaques africanos foram retirados nas versões dubladas.

De fato, os atores trabalharam duramente durante meses para aperfeiçoarem esses sotaques, porque são elementos inerentes da narrativa que têm uma importância no contexto do filme. Então, não seria lógico que um filme com africanos, com vozes africanas, fosse também dublado por atores do mesmo universo cultural?

Quem nunca assistiu a um filme com sotaques italianos, russos, chineses, deliberadamente integrados? Tirá-los aqui seria insinuar uma perniciosa ideia de que uma África que vence não tem sotaque e a outra que perde tem um horrível…

Enfim, embora seja uma ficção, o diretor do filme, Ryan Coogler, conseguiu tocar com fineza nas verdadeiras preocupações dos negros e foi ao âmago da questão com brio, historicamente e na atualidade. A sua destreza está na bela linguagem com a qual apresenta uma ficção agradável enquanto coloca questões essenciais. E o seu sucesso prova que a diversidade pode ser rentável e revela que aqueles que discriminam atores negros pecam moralmente e perdem financeiramente.

Alexandra Loras

Ex-consulesa da França em São Paulo e mestre em gestão de mídias pela Escola de Ciência Política de Paris (IEP), dá palestras sobre diversidade e empoderamento feminino e é colunista da revista "Serafina", da Folha

Ricardo Vita

É cofundador e vice-presidente do instituto République et Diversité, que promove a diversidade na França

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