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Augusto de Arruda Botelho: Constituição para todos

Devemos prender definitivamente alguém somente e tão somente após esgotados os recursos previstos em lei; para quem crê não ser essa a vontade popular, convoque uma Constituinte

O advogado Augusto de Arruda Botelho, em evento em São Paulo
O advogado Augusto de Arruda Botelho, em evento em São Paulo - Mastrangelo Reino - 6.dez.17/Folhapress

O Brasil tem mais de 700 mil presos, e mesmo assim aumentam nossos índices de criminalidade e, com eles, a sensação de insegurança. Fato inconteste é que nossa estratégia de punição falhou. Prendemos e não ressocializamos, combatemos os sintomas sem procurar estancar as origens da doença e, com isso, partilhamos a falsa esperança de que o Estado cumpre seu papel.

As condições das prisões são sabidas, e o problema da superlotação das cadeias corrói ainda mais nossa manca engrenagem. Prendemos o jovem, preto, pobre, morador da periferia, com escolaridade incompleta e geralmente processado por roubo ou tráfico. Presos que respondem por crimes "de elite", como corrupção e lavagem de dinheiro, não somam nos relatórios oficiais a risível monta de 1%.

Fato é que o cliente do nosso sistema de Justiça criminal está longe de ser o que estampa diariamente a capa dos jornais. Paradoxalmente, as discussões sobre tal sistema afastam-se dessa realidade e tomam por base os presos-celebridades do reality show judiciário que vivemos. É o que hoje acontece com a celeuma sobre execução da pena após o julgamento em segunda instância.

Até mesmo dentre os defensores da execução antecipada existe um consenso: a Lei Maior prevê que alguém só pode cumprir pena após julgados todos os recursos cabíveis.

Há ainda dois fatos que poderiam também ser consenso, mas que muitos preferem esquecer. O primeiro é que temos um grave problema de acesso à Justiça no Brasil. Ricos condenados por crimes do colarinho branco conseguem recorrer aos tribunais superiores porque têm condições financeiras de contratar advogados que assim o façam.

Já a mencionada clientela preferencial do sistema não tem a mesma condição e é representada por advogados menos diligentes ou ainda pelas heroicas defensorias públicas, que fazem brilhante trabalho lutando contra escassez estrutural e financeira.

Ou seja, ao se argumentar que só os ricos recorrem ao STF, faz-se clara escolha por uma seletividade nivelada por baixo. Se nem todos conseguem acessar com plenitude o Judiciário, vamos então punir antecipadamente aqueles que gozam desse "privilégio".

O segundo ponto é que, apesar do discurso de que os recursos teriam o único propósito de postergar o trânsito em julgado de condenações, são muitos os casos de sentenças reformadas pelo STJ e pelo STF. O Judiciário erra, e com frequência.
 
Aqui pouco importa a estatística ou se menos de 10% dos casos que chegam aos tribunais de Brasília resultam em revisão favorável ao réu. O que de fato importa em uma jovem democracia e em um Judiciário cada vez mais (im)pressionado com a opinião pública é o seguinte: se um cidadão, e apenas um, permanecer um simples e único dia preso injustamente em razão da não observância do princípio da presunção de inocência, nós erramos.

Devemos respeitar a Constituição e prender definitivamente alguém somente e tão somente após esgotados todos os recursos previstos em lei. E, para aqueles que por casuísmo de um ou de muitos entendam não ser essa a vontade popular, o caminho é conhecido: convoquem nova Assembleia Nacional Constituinte. 

Augusto de Arruda Botelho

Advogado criminalista, ex-presidente e conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

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