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É preciso privatizar a Eletrobras? NÃO

Espaço público versus espaço privado

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Vista aérea da barragem da usina hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais
Vista aérea da barragem da usina hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais - Paulo Whitaker - 14.jan.13/Reuters
Joaquim Francisco de Carvalho

Canadá, Noruega, Suécia, Brasil e Venezuela são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos, as hidrelétricas são estatais. Exceto a Venezuela, nenhum é socialista.

A China é a maior produtora de hidroeletricidade do mundo, os EUA estão em quarto lugar. Em ambos, as principais fontes primárias são o carvão e o gás natural, mas, nos dois, as hidrelétricas também são estatais. Se a Eletrobras for privatizada, o Brasil será o único país a vender suas hidrelétricas.

Para formar uma opinião responsável sobre a importância da Eletrobras —em vez de ouvir os ex-agentes públicos responsáveis pelas privatizações já realizadas—, basta constatar o que aconteceu com a qualidade dos serviços de eletricidade e com as tarifas.

As privatizações começaram em 1995. No segmento de geração, cuja capacidade total é de 145 GW, apenas 29% ficaram com o Estado, representado pela Eletrobras, com as subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e pela metade de Itaipu.

No segmento de transmissão, o grupo Eletrobras controla 57 mil quilômetros de linhas, enquanto 584.000 quilômetros estão sob controle privado.

No segmento de distribuição, as principais empresas também foram privatizadas. No tocante à qualidade dos serviços, os consumidores têm enfrentado brutais aumentos na frequência e na duração dos cortes de energia.

Entre 1995 e 2017, as tarifas subiram mais de 130% acima da inflação. Antes de 1995, eram das mais baratas do mundo. Hoje, estão entre as mais caras. Por isso, inúmeras indústrias eletrointensivas estão saindo do Brasil e lançando ao desemprego milhares de operários e técnicos qualificados.

Pode-se mesmo dizer que a privatização do sistema elétrico agrava o processo de desindustrialização do Brasil, que volta a ser um simples exportador de commodities, como era antes dos anos 1950.

Aqui vale lembrar a diferença entre os conceitos de espaço público e privado, tema que os políticos brasileiros parecem ignorar.

O espaço privado é ocupado por empresas industriais, estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros.

No espaço público ficam atividades não lucrativas, como diplomacia, a segurança nacional, o policiamento, o ensino básico, o saneamento, a saúde pública, etc., além de certas "utilities", vitais para as demais atividades e que são monopolizáveis. Ora, a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, a saúde pública, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo.

Portanto, tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores, função que cabe ao erário.

No caso do Brasil, deve-se ainda ter em conta que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração elétrica.

Ocorre que esta é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, importantes, como o abastecimento de água, a irrigação, o controle de enchentes, etc.

Tudo isso implica pesadas despesas permanentes em preservação ambiental. A experiência mostra que investidores privados não fazem tais despesas.

O grupo Eletrobras está em crise. Privatizá-lo não resolve o problema. Mais inteligente seria despolitizá-lo e submetê-lo a administradores profissionais, supervisionados por um conselho eleito por confederações da indústria e do comércio, os maiores interessados na qualidade dos serviços e na modicidade tarifária.

Se isso for feito de forma competente e honesta, calcula-se que os lucros da Eletrobras (com Itaipu) poderão superar, em apenas um ano, o valor que o governo espera arrecadar com a venda desse tão estratégico ativo.

Joaquim Francisco de Carvalho

Mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, foi engenheiro da Cesp, diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e pesquisador associado ao IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente)

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